quinta-feira, 15 de julho de 2010

Harvey Pekar - *08/10/1939 +12/07/2010



Meu primeiro contato com American Splendor foi em uma rápida apresentação, piratíssima, publicada pelo Laerte na antiga - e magnífica - revista "Piratas do Tietê" nos anos 90. Pioneiro nos quadrinhos sobre o simples cotidiano, no seu caso ironicamente denominados "American Splendor". Mesmo para os que não tem interesse em quadrinhos alternativos, vale no mínimo assistir ao filme sobre o cara,"American Splendor" , que saiu aqui como "Anti-herói Americano". Em locadoras decentes, se acha.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Do Começo ao Fim - Versão Buldozer - INTERLÚDIO

- Desgulbe, zenhor Jeverzon, mas eze gartinha aqui no eztá em perza nem árabe. Bareze que estar em bashto, ser língua muito valado no Aveganiztão, e um bouco no ozidente do Baguiztão. Eu não zaber traduzir izo. E belo bisto nem guem escreveu, zeu enderezo no Brasil eztá braticamente desenhado no envelobe, não é mezmo?

- É, na época mandei um gabarito em papelão, para eles me mandarem os boletos. Pra cobrar esses bando de turco fela da puta são eficientes pra caralho. Olha, essa é a primeira carta do meu enteado para a minha esposa em três anos, ela despirocou quando chegou e não conseguiu ler. Se eu não conseguir traduzir isso logo, meu estoque de vodca e uísque acaba em menos de três dias.

- Hmm... a Aveganiztão não tem embaijada no Brasil, bobrezinhas deles, né? Vou ver gom alguém do embaijada do Baguiztão, guem zabe não indigam alguém bra zenhor?

- Valeu aí. E lembre-se sempre, senhor adido, otoridade no meu restaurante tem desconto e cortesia! Hoje as suas bebidas já são por conta da casa, mas me resolve esse pepino aí e te libero uma das minhas dançarinas, à sua escolha.

- Meninas zer muito bonitas, maz eu gozto mesmo é de menininhos. Begueninos, antes de mudar o boz. Tem algum aí? Não brezisa gortesia, nós baga, glaro gue chorar desgonto, glaro, glaro.

- Aqui no meu país isso é contra a lei, senhor, não tenho e nem sei quem tem. Já paguei tudo o que devia pra justiça e pra polícia uns bons anos atrás, agora eu sou um cidadão de bem, e não mexo com nada ilegal.

- Bena. No minha terra não tem lei nenhuma gue imbeza um zidadão de bem de ter uns menininhos em gasa. Bara vazer gombanhia, zabe?

- Bem, eu tô fora. Meu negócio é mulher. Literalmente. Mas é isso então, depois me volte com uma indicação quente de tradutor e a gente vê um esquema massa com as dançarinas, valeu?! Por enquanto, aproveite a hospitalidade da casa, beba à vontade!

- Obrigado, zenhor Jeverzon, muito bom vazer negózios gom o zenhor!

sexta-feira, 3 de julho de 2009

DO COMEÇO AO FIM – Versão Buldozer

Segue a nossa versão para essa ficção.

Eram onze horas da manhã. Jefferson tomou um banho ali no puteiro mesmo, vestiu suas roupas e saiu em direção ao carro. Era sábado e ele havia combinado de visitar o filho na casa da ex-mulher, e almoçariam todos juntos ali. Ela dizia que era uma forma de fazer o divórcio não ser tão traumático para o menino, e criar na mente dele a genuína impressão de que, de fato, ele tinha uma família, independentemente da separação, que afinal era um problema só deles dois, não seria justo que o garoto fosse afetado psicologicamente. Jefferson achava a maior frescura aquele papo todo, mas era bóia de graça e assim já economizaria uma refeição com o moleque. Além disso, se o banana do marido atual dela não estivesse lá, ele bem que podia tentar jogar um lero para dar um confere na coroa.

Chegando lá, o banana atendeu a porta, como sempre. “Foda-se”, pensou Jeff, “Já trepei de manhã mesmo”. O panaca se esforçou pra ser gentil, pra variar:

- Ô Jefferson, tudo bem, cara?

- Iaê.

- Ei, cara, de carro novo? Pajerona Full?! Açougue tá indo bem mesmo, né?

- Nem, vendi aquela merda, antes que começasse a dar preju. Essa juventude viada e filha da puta tá caindo nessa conversa mole de alimentação vagem e não compram nem uma porra de queijo branco, quanto mais carne. E nem fodendo que eu tenho tino pra vender alface e suco sem conservante.

- Hã... vagem? Você quer dizer vegan?

- É, essa merda aí. Filha da puta que não come nada que vem de bicho e tal. Mas que se foda, agora abri um restaurante, tá bem melhor.

- Que legal! Bem, vamos entrando.

Dentro da casa, os meninos estavam brincando de pique-pega e fazendo a maior algazarra, como as crianças fazem, gritavam “eu vou te pegar, eu vou te pegar” rindo e correndo. Pedro era o nome do filho de Jefferson, e tinha 7 anos; Aroldo, 4, era o filho do banana. Eles pareciam bem entrosados. “Ainda bem que o meu é o mais velho”, pensou Jefferson, “é o que dá porrada, e não o que apanha”. Quando o viu, Pedro voou nos braços do pai, que o acolheu com muito carinho. “Meu guri, porra, que ducaralho!” pensou, como sempre pensava nesses momentos.

- Bora vuá, muleque!!! – gritou, pegando Pedro pelos braços e começando a rodar.

- Agora não, ele não pode almoçar tonto, Jeff! – veio da cozinha a voz suave e risonha de Moema - Roberto, leve logo todo mundo para a mesa que a comida já está lá.

Foi servido um salmão ao forno com alcaparras, acompanhado de arroz à grega e salada de brócolis com espargos. “Grude tá massa, fora essa salada, que é coisa de fresco”, Jefferson pensou, “essa puta não fazia essas tralhas chiques quando morava comigo, era só arroz com ovo e carne moída, a vagabunda”.

- Puta rango bom, Moema. Mandou bem.

- Bom que você gostou, Jeff, foi o Roberto que fez. Eu só pus a mesa, já estava ok quando você chegou. Na verdade, foi a forma que achamos para te bajular, porque temos um grande favor para te pedir.

- Devia ter desconfiado, diz logo aí.

- O Roberto vai fazer uma exposição multimídia em uma galeria de Nova Iorque mês que vem, e minha mãe está em um cruzeiro para a Terra do Fogo...

- Chile? Porra, Roberto, mandou bem, foi tua a idéia de mandar aquela escrota pra longe? Parabéns, cara! Espero que ela congele lá!

Roberto nem ficou vermelho, já estava acostumado com o "jeito sincero" de Jefferson, embora evitasse chamá-lo se houvesse outros convidados em casa. Moema respondeu:

- Ai, Jefferson, não fala assim! Olha, é o seguinte: os meninos vão estar de férias da escola, e eles são muito ligados, detestam ficar muito tempo separados... assim, eu sei que o Aroldo não é seu filho, mas você poderia ficar com os dois para mim? Por favor? A exposição vai envolver performances, vai ser muito extenuante para o Roberto, ele vai precisar do meu apoio lá. É só um mês, pode ser?

- Claro, porra. De boa. – respondeu Jefferson, sem pestanejar. – Eu tomo conta da molecada, na moral. Quando eu tiver no trampo eles vão ficar com a empregada, tem galho?

- Nada, aqui é assim também. Na verdade, se fosse uma viagem curta, eu pedia para ela, mas vou ficar uns quarenta dias fora.

- Vai na fé. De boa.

Roberto interviu:

- Valeu a ajuda, cara, essa exposição vai ser muito importante para minha carreira de artista plástico, meu primeiro evento internacional, sabe como é. Mudando de assunto, e esse seu negócio novo, o restaurante, me fala mais dele.

- Ah, cara, é um espaço multimídia também. Talvez até eu compre uns lances teus para decorar a bagaça.

- Mesmo? Que interessante, me fala mais.

- É bem legal, tipo um restaurante divertido, uma boate, cheia de gente bonita dançando, com hostess e tudo. Tá bombando. É até legal, porque enquanto eu tiver no trampo, os meninos vão estar dormindo, e de dia eu dou atenção para eles.

- Ei, quero conhecer esse seu espaço. Quando eu voltar de viagem a gente combina, tá?

- Só.

Após o almoço, os meninos saíram correndo para brincar, novamente, em uma casa na árvore que havia no amplo quintal. “Os meninos passam a maior parte do tempo lá” disse Moema “Eles ficam a tarde inteira jogando damas, com as portas e janelas fechadas, para não pegar friagem.”

Sessenta dias depois daquele almoço, o feliz casal voltou de viagem. As críticas ao trabalho de Roberto Nogueira haviam sido extremamente positivas. O New York Times destacou a “pureza tropical, ousada e indômita, do jovem artista performático brasileiro e sua interação com as impressionantes ambiências que criou”. Os críticos de arte ficaram particularmente impressionados com o ambiente “Phallic Lounge”, em que Roberto interagia ativa e passivamente com as reentrâncias e saliências multicoloridas das esculturas gelatinosas iluminadas por leds.

Agora, resolvera fazer uma surpresa para Jefferson. Ele admirava, de certa forma, o ex-marido de sua esposa. Ele podia ser um pouco grosseiro às vezes, mas não criava caso com nada e estava sempre disposto a ajudar, merecia um presente. Jefferson disse que passaria o fim da tarde com as crianças no trabalho e depois as levaria para casa, e Roberto pensou se não seria ótimo ir buscar as crianças lá mesmo, e doar um belíssimo quadro seu de presente, uma grande tela que pintara no ano anterior. Certamente Jeff gostaria do presente, sempre havia elogiado seus quadros. Lembrou da voz do pai de seu enteado “acho da hora esse lance de tu pintar as minas peladas e depois fazer umas invencionices com tinta brilhante na tela, fica diferentão e tal”. Descobriu na lista o endereço do restaurante, um imóvel comercial no nome do Jeff, não havia anotação com a descrição do lugar.

- Lá é novo. - disse Moema - Só atualiza na lista do ano que vem. Agora acelera senão a gente desencontra, ele deve sair umas cinco e meia com os meninos.

Chegando na porta, por volta das cinco da tarde, viram um neon escrito “Inferno’s” representando letras em labaredas. A fachada era cega, toda pintada de preto, e só tinha uma pequena porta prateada, com um homem gigantesco de terno na porta e algumas “belas moças, certamente habitués do local”, Roberto pensou. “Deve ter muita fila, para elas chegarem tão cedo”.

- Hm, parece ser mesmo um lugar bem privê, Moema. E com uma fachada muito ousada. Seu ex-marido tem um gosto arquitetônico bastante interessante, mistura ousadia e refinamento.

- Os brutos também amam – ela disse, com ironia na voz – agora vamos pegar os meninos logo, estou morrendo de saudade.

O segurança os barrou na porta, disse que o local estava fechado naquele horário. Chamou o chefe pelo rádio e foi instruído a pedir paras as visitas esperarem na porta.

- Deve estar bagunçado lá dentro, ele não quer que a gente veja – disse Roberto – veja, lá vem ele com os meninos... mas o que diabos...?!

Jefferson veio com os garotos, segurando um em cada mão. Pedro estava rosado e saudável, ao passo que Aroldo estava cheio de hematomas em todo o corpo, com um olho roxo, além do o braço engessado em uma tipóia, e andava mancando, se apoiando em uma muleta. Roberto ficou desesperado:

- Minha nossa, Jefferson, o que houve com o Aroldo!?

- Esse teu moleque é um viadinho. Fica se comportando mal, dei uns corretivos prele ficar esperto. Mas não estressa, não tem dano permanente nenhum, ele vai ficar bom, pelo menos no lado físico. Mas te aviso logo que baitolagem não tem cura.

- VOCÊ fez isso? Seu louco, como você espanca uma criança?!

- Ele ficava com umas brincadeiras muito esquisitas pra cima do Pedrim, uns negócio de “vamos tomar banho de banheira que eu faço tudo o que você quiser”, depois dizia que iam jogar damas, e quando eu via teu piá tinha uns lance de colocar e tirar as pecinhas do bolso do Pedrinho. Apanhou foi pouco, e eu fui legal, dei até cobertor quando pus ele para dormir no canil, nos últimos dias. E tem mais, meu filho não fica mais junto desse moleque transviado, é má influência! Vai morar comigo agora, eu que vou educar o meu pirralho, que ainda tem salvação para ele crescer que nem homem!

- Mas papai – gritou Aroldo, chorando – são só cosquinhas, que é que tem? É mó legal! Eu amo meu maninho, papai, amo mesmo! Num deixa separar a gente, prometo que vou ser bonzinho!

Jefferson largou as crianças e virou a mão com toda a força no rosto de Aroldo, que saiu voando e caiu chorando no chão. Moema gritou desesperada. Aquilo despertou em Roberto uma fúria que nunca havia experimentado. Em uma explosão de adrenalina, pulou quase três metros em direção a Jefferson, com as unhas armadas em direção à jugular, gritando:

- PLEBEEEEEEU!!!!

Mas, no segundo em que Roberto se pôs no ar, Jefferson também pulou, e encaixou um Roundhouse Kick certeiro na face do repentino adversário, ao que se ouviu em alto e bom o barulho de algo se quebrando, um “slept” brusco. O corpo de Roberto caiu com um baque no chão, três metros à frente, após um vôo parabólico. O segurança, admirado, observou:

- Porra, chefe, duca esse teu golpe aí. Mandou bem.

- Vi num filme, quando era moleque. Legal, né? Agora some com esse presunto aê.

- Faloura!

Moema gritava alucinada:

- VOCÊ MATOU MEU MARIDO! ESPANCOU MEU FILHO! SEU LOUCO! VOU CHAMAR A POLÍCIA, OH MEU DEUS!!! – E puxou o celular.

Jefferson pensou rápido. Nunca batera numa mulher na vida, e não pretendia abrir exceção. Gritou:

- ELGA! Vem dar um corretivo nessa maluca aqui, que ela quer encrenca!!!

De dentro do estabelecimento, saiu uma belíssima loira de olhos verdes, muito forte mas sem gordura, de saltos, meia arrastão e roupas curtas de couro. Tinha pouco menos de dois metros de altura, e enquanto ela espancava Moema, o segurança arrastou o corpo para o carro do casal.

- Some com tudo. Vai ser uma pena queimar esse quadro maneiro que tá na caçamba, mas faz parte. – e virou-se para a loira, que continuava batendo – Elga, tá bom por hoje, valeu. Põe ela no banco de trás da Pajero, junto com esse filho viado dela. O meu garoto vai no banco da frente, que nem homem.

DUAS SEMANAS DEPOIS...

- Porra, Moema, esse teu arroz com ovo é uma merda, mas eu confesso que tava com saudade. Que bom que voltamos a viver juntos, é como você sempre disse: aconteça o que acontecer, temos que ser uma família, né?!

- É. – disse Moema, fitando o vazio, e mancando em direção à cozinha.

- Pois é. E também eu tenho que dar o braço a torcer. Disse que baitolagem não tinha cura, mas o Aroldinho ficou animado quando eu fui no canil e contei as novidades. Acho que está sendo educativo deixar ele lá o tempo todo, bastou duas semanas e ele tá um cordeirinho de obediente.

- É – disse Moema, enchendo um copo de vodca e abrindo uma caixa de Valium.

- Eu realmente acho que esse colégio interno no Paquistão vai ser bom para ele, o lema do lugar é “formando homens de verdade para a guerra santa”. Eles tem aulas de religião, química e tiro ao alvo, além de uma disciplina super rígida. O nome do colégio é “Jihad Ahmajinejhad Al Qaeda Islamabad”. É um nome estiloso, né?

- É. Querido – disse Moema com a voz engasgada – será que... agora que ele está comportadinho... ele pode ficar mais perto de mim? Prometo ... prometo que deixo ele longe do Pedrinho. Juro.

- Claro, meu amor! Você pode visitar o canil quando quiser, antes dele viajar! Vai lá, você pode tirar a mesa e lavar as louças mais tarde, né?

- É – disse Moema, se arrastando em direção à porta dos fundos, tremendo, cambaleante – obrigada, querido.

Jefferson pensou “que vida maravilhosa”, foi em direção à geladeira, pegou umas cervejas e subiu as escadas em direção ao quarto do seu filho Pedrinho. Quando entrou no quarto, viu o garoto admirando 42 polegadas de Sylvia Saint em ação. Isso o animou:

- Grande garoto! Diz aí, seus cigarros já acabaram? Trouxe cerva!

- Não, papai, obrigado. Ainda tem dois pacotes, deve dar até amanhã ou depois. Engraçado, não sei por que, mas esse filme me dá saudade do meu irmãozinho.

- Esquece isso, filhote. Vamos fazer assim: mais tarde papai te leva para o trabalho dele, que lá ele tem um monte de funcionárias legais que vão fazer a saudade passar, tá bom?

- Promete, papai?

- Prometo, filhote. E lembre-se: se enjoar desses filmes com moças bonitas que o papai te deu, no armário tem também DVDs de todos os Campeonatos Brasileiros de Futebol dos últimos vinte e cinco anos, e de todos os jogos do Brasil na Copa do Mundo, tá bom?

- Brigado, papai!

- De nada, meu filho, até mais tarde, tá?

- Tá, papai. Você é o melhor pai do mundo, viu? Valeu!

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

PUNK IS NOT DEAD

Os moicanos podem estar fora de moda, mas a atitude punk continua viva e feroz até em velhinhos do país que foi berço do movimento cultural mais escroto de todos os tempos:

Britânico tenta pagar multa de trânsito com cheque de papel higiênico

Richard Roper foi multado por ocupar duas vagas ao estacionar
.

Vale publicar a íntegra da notícia:

Um britânico que tentou pagar uma multa de trânsito com um "cheque de papel higiênico" foi condenado a passar um dia no tribunal como punição.

Richard Roper, de 63 anos, foi intimado a comparecer no tribunal quando a polícia de Suffolk, no leste da Inglaterra, se recusou a depositar o cheque de 30 libras (R$ 109) porque a operação custaria 15 libras (R$54).

Roper foi multado no dia 30 de setembro quando estacionou perto de sua casa. A frente do carro estava dentro da vaga, mas a traseira não.

Um policial local, conhecido na região como "Exterminador", o multou em 30 libras por ocupar duas vagas.

O aposentado disse ao juiz David Cooper que não se recusou pagar a multa, mas que as autoridades "se recusaram a receber o pagamento".

"O que eu fiz, Excelência, teve senso de humor. O meu pagamento foi escrito no papel higiênico, o que reflete meus sentimentos em relação ao sistema que eu, infelizmente, sou obrigado a apoiar por meio de impostos", disse Roper.

Quando o juiz perguntou ao aposentado o que ele faria se um cliente o pagasse com um cheque de papel higiênico, ele respondeu:

"Eu descontaria o cheque e enviaria um recibo escrito em papel higiênico".

Roper ainda disse ter oferecido pagar o dobro para uma instituição de caridade dedicada a crianças, mas que a polícia recusou a oferta.

Fonte: BBC Brasil.


Posso ver esse velhinho, mais de trinta anos atrás, pogando em um show dos Sex Pistols, de moicano, roupa cheia de tachas e alfinetes, e há mais de um mês sem tomar banho. Hey ho let's go!

domingo, 2 de novembro de 2008

A SINA DE MARCOS - parte 03

- Pessoal, esse é o Kraut, meu marido, que veio aqui nos visitar nessa festinha. – disse Olga, sem muita empolgação, ao apresentar o Almirante Kraut aos seus colegas de trabalho.

Todos olharam com desconfiança para aquele homem de meia-idade, que certamente seria uns 15 anos mais velho e 15 centímetros mais baixo que sua esposa, mas não por isso, e sim por causa de seu traje de gala impecavelmente branco, cheio de indicações de medalhas no peito, cordas e mais cordas douradas por cima dos ombros, com o quepe embaixo do braço e postura altiva. Ele por acaso não sabia que era apenas uma confraternização informal? Ele notou o estranhamento, e fez o possível para descontrair:

- Por favor não reparem, estou vestido assim justamente pelo que me possibilitou comparecer aqui hoje: uma cerimônia que terminou cedo. Se eu passasse em casa e me vestisse a paisana, não daria tempo de vir curtir tão agradável companhia! Agora reparem, vocês vão conhecer a antiga técnica cerimonial militar de atacar o buffet sem deixar cair nenhuma sujeirinha no traje de gala, hahahahahaha!

Todos forçaram alguns risos e sorrisos, e começaram a comer e conversar. Kraut não se considerava um sujeito antipático e linha-dura, e buscava de todas as formas, especialmente em meios não-militares, desfazer qualquer mal-entendido nesse sentido, caso surgisse, como lhe pareceu ser o caso. Mas em determinado momento, sua formação falou mais forte, e ele não pode deixar de reparar no rapaz musculoso tão mais mal-vestido que os colegas, conversando com todos eles. Mas como era forte o rapaz! Seria certamente muito bem vindo na escola de oficiais, e ele gostaria muito de ser seu professor. Ora, mas que pensamento era aquele? Kraut lembrou a si mesmo da regra número um: nunca dar bandeira. Mas não conseguia parar de olhar aquele rapaz, ele certamente seria um bom cadete, e Kraut teria muito para lhe ensinar.

Olga, por sua vez, conseguia fazer aquilo para que havia se condicionado durante a última semana: não olhar para Marcos. Sabia que seu marido era muito observador, e não tinha a menor idéia de como reagiria se de alguma forma desconfiasse dela. Ela não tinha como saber, pois nunca havia dado motivo para desconfiança, e preferia deixar as coisas como estavam. Mas o que era aquilo? Mal Kraut se retirou da sala para ir ao banheiro, Marcos parou de conversar com os outros e se aproximou dela. Será que naquele dia ele finalmente a havia notado?! Chegou sussurrando em seu ouvido, ai que coisa excitante!

- Olga?
- [se derretendo] Sim?
- Não quero ser rude, mas...seu marido não tira o olho de mim. Quinze minutos seguidos! Chega a ser incômodo, é como se ele me despisse com os olhos.

Olga estourou e gritou em alto e bom som:

- PUTA QUE O PARIIIIU! ESTOU A TRÊS ANOS TE SECANDO SEM PARAR E VOCÊ NUNCA NEM DEU BOLA, E AGORA ME VEM COM ESSA! QUAL É A SUA, PORRA? NÃO GOSTA DE MULHER?! VOCÊ DESTRÓI MEU ORGULHO, MINHA AUTO-ESTIMA, E AGORA VEM FALAR MERDA, CARALHO?!!

Olga se arrependeu de forma imediata e profunda, mas já era tarde demais. Todos a olhavam com cara de espanto e estupefação, sem acreditar direito naquilo tudo que haviam presenciado. Todos sabiam que a chefe tinha atração por Marcos, mas nunca esperaram que aquela represa emocional se rompesse daquela forma. Olga não sabia o que fazer, a vontade que tinha era se enfiar em um buraco e nunca mais sair de lá. Sua visão se embaçou, e então ela ouviu aquela voz serena e amável de Marcos, respondendo sem se abalar:

- Você é a mulher mais bonita que eu já conheci. E eu notava quando me olhava, mas achei que estava apenas fiscalizando meu trabalho. Agora, vamos mudar de assunto que estou ouvindo passos no corredor, é o seu marido.

- Como sabe?!

- [sorrindo] Pelo ritmo preciso dos passos. Coisa de quem já marchou muito.

Marcos se afastou de Olga e pegou um salgadinho no buffet que havia sido improvisado nas mesas da repartição, e começou a comer de costas para a sua chefe. Yuri, por sua vez, não conseguia deixar de olhar para Olga, estava até agora de cara com o que havia acontecido. Como Marcos conseguia ficar tão sereno com aquela mulher espetacular o assediando? Após aquela declaração atropelada e emocionada, daquela belíssima loira perfeita? Antes achava que Marcos poderia ser gay, mas depois daquele diálogo não entendeu mais nada, só que aquela mulher era um avião...ele estava quase babando já. No momento em que o Almirante Kraut apareceu na sala, notou a admiração de Yuri, que demorou alguns segundos para notar a incerta e desviar o olhar. Kraut notou, e memorizou o rosto de Yuri para futura referência.

No fim de semana seguinte, numa bela tarde de sábado, Olga estava no apartamento de Marcos. O despojamento e limpeza do ambiente eram incríveis, Marcos só tinha um colchão de casal, um forno elétrico, um computador e um biombo em frente à porta. Seria ele zen-budista? Bem, não importava. Só o que contava naquele momento é que Marcos transava bem pra cacete. Estava na terceira sem tirar de dentro, sempre a mudando para as mais loucas e absurdas posições, ela já havia gozado duas vezes e ele seguia firme. Já a tinha acariciado, chupado, alisado, metido, e parecia não se cansar. Ela nunca tinha sentido algo assim. Havia se casado jovem, virgem, e seu marido, por muitos anos, a satisfez bem, mas só agora notara, nunca plenamente. Marcos era uma incrível máquina de sexo, aliás, máquina não: ele tinha carinho e percepção, não era simplesmente força. Ela começou a sentir algo que nunca antes havia sentido, só havia lido a respeito em revistas femininas: orgasmos múltiplos. Seus músculos se contraíam involuntariamente, e ela gemia tão alto que sentiu até vergonha:

- Oooooohh...eu...barulho...vizinhos...aaaaaaaaahhh...

- Fique à vontade...eeeh... meu apê tem revestimento...aaaah... isolamento acústico...uuuuuuuuuuuuhhhh!!!! – Marcos finalmente parou. Levantou do colchão, tirou a camisinha, deu um nó na abertura, foi ao banheiro, jogou no vaso e deu descarga, então voltou para o recinto – Além disso, meus “vizinhos” são as putas. Elas não ligariam, mesmo se ouvissem algo. Olha, vou pedir uma pizza pra gente. Quer de quê?

- [horrorizada] Pizza? Eu não como isso há anos, engorda...ah, que se dane, manda uma calabreza.

Olga ainda estava tremendo. Aquilo não havia sido uma simples transa, e sim uma obra de arte, uma sedução completa...ah, ela não estava raciocinando direito. Mas conseguiu comentar:

-Você transa muito...bom...qual...o segredo.

- Não tem muito segredo. Você já jogou Street Fighter no fliperama?

- Joguei o quê?!

-Street Fighter. É um joguinho de fliper que fazia muito sucesso quando eu era garoto. Foi ali que eu aprendi as manhas...

- Mas que conversa é essa?

- Olga, do meu ponto de vista, o sexo é como um videogame de luta cheio de combos. Você tem que praticar bastante, e quando está jogando, tem que estar focado naquilo. Tem que se movimentar com um timing super correto, ser rápido sem ser apressado, e é claro, saber todas as combinações de golpes para aplicar no momento certo... além de ter muitas fichas no bolso para sempre ter o “continue” de onde parou.

Olga não entendeu muito daquilo mas que se foda, importante é que foi bom. Era a primeira vez que transava com outro homem que não seu marido, e não sentia nem um pingo de arrependimento, porque tinha sido demais. Estava mais calma, serena como nunca após aquela transa maravilhosa, se fumasse certamente seria o momento do cigarrinho. Só percebeu uma coisa que a encucou no discurso de Marcos:

- Então você pratica bastante, né, safado? Tem namorada? Tá chifrando a menina?

- Nem, eu pratico com as putas aqui do prédio.

Olga ficou chocada. A imagem que tinha de Marcos não indicava que ele pudesse ser um sujeito putanheiro. Mas ele acabara de afirmá-lo, isso até esclarecia algo que a estava encucando:

- Bem que eu estranhei você escolher justamente essa quadra, cheia de putas, para morar. Agora está explicado, mas pra que isso, justo um cara como você, que é super atraente e não precisa disso?

- Eu não quero romance, Olga, nunca quis. Tive algumas namoradas na adolescência, mas elas me enchiam profundamente o saco. Hoje, vivo como quero e não preciso de ninguém dando pitaco na minha vida.

- Mas putas? Elas são sujas e safadas, Marcos, você não tem nojo? Elas transam com vários homens todo dia.

- Isso não me incomoda. Sabe, em determinado momento, eu simplesmente tinha desistido de me relacionar sexualmente, apesar de ser bom, notei que aquilo de namorar era uma grande fonte de aborrecimentos. Mas, por mais que eu batesse punheta, eu não conseguia me livrar do instinto sexual. Foi quando eu resolvi morar aqui na 315 norte. É super prático, só bater na porta da menina e pedir para entrar. Como eu sou cliente fixo, ganho até desconto.

- [rindo] Você ganha desconto porque é um gato, Marcos, não por estar sempre lá. Além disso, transa bem pra cacete. Elas é que deveriam pagar para te dar. Mas se você está tão satisfeito assim... se você não quer saber de namorar ... por que eu? Por que me deixou entrar na sua vida?

- [rindo] Porque você não entrou na minha vida, Olga, eu é que entrei na sua, hahahaha.

- [arremessando um travesseiro nele e rindo] Não seja tão tosco, estou falando sério, por quê?

- Você quer mesmo saber?

- Quero!

- Em primeiro lugar, porque você é bonita e gostosa. Fogosa também, como descobri, foi a melhor transa da minha vida. Além disso, você é casada. Não pode me fazer exigências, não pode se meter na minha vida, não pode me dizer como devo ser ou deixar de ser. Você é bem-vinda aqui, Olga, porque não tem moral nenhuma para me botar moral.

Naquele momento, todo o peso do que havia feito caiu em cima de Olga como uma bigorna de 16 toneladas de desenho animado. A partir daquele momento, ela não era mais a mulher exemplar de que sempre havia se orgulhado. Ela se tornara uma adúltera, uma mãe de família depravada, e uma chefe que havia se aproveitado de seu subordinado, tudo ao mesmo tempo. Começou a chorar, e não conseguia parar. Marcos demonstrou toda a sua sensibilidade e compaixão:

- Acho que é hora de você ir embora, Olga. Pelo visto, vou ter que comer a pizza sozinho.

Olga engoliu o choro e, se sentindo suja, literalmente fodida, vestiu suas roupas. Marcos a acompanhou até a porta, e quando ela saiu, disse carinhosamente:

- Até a próxima. – e fechou a porta.

Marcos ligou seu computador e começou a jogar GTA - San Andreas, com o seu som de 5 caixas ligado no último volume.

sábado, 1 de novembro de 2008

GENIAL

Veja como fazer um curta-metragem experimental, cult e pseudo-intelectual:



O cara é mesmo um mestre da sétima arte.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

A SINA DE MARCOS - parte 02

- Não.

- Como não?!!!

- Não estou interessado, muito obrigado.

Nunca na vida Olga tinha ouvido um não naquele tipo de situação. Muito pelo contrário, muitos já haviam ajoelhado aos seus pés, dispostos a matar a mãe, implorando pelo que Olga ofereceu a Marcos espontaneamente, e ele recusou sem titubear. Justo Olga, que sempre havia sido extremamente seletiva nesse sentido, e não tinha medo de dizer não, agora o ouvia, sonoro e claro. Ainda bem que ela o havia levado para ter com ele aquela conversa a sós, embora nunca tivesse cogitado a possibilidade da recusa, era algo que deveria ficar entre eles por enquanto. Mas, quando ela esperava um grande sorriso acompanhado não de um simples sim, mas de um “é claro”, “é lógico”, ou mesmo um “demorou”, ela havia recebido uma inédita recusa de seu subordinado.

Marcos recusou uma função de confiança, que quase dobraria seu salário.

- Mas por que isso, Marcos? Você é competente, rápido e leal. Por que não?

- Não topo a exigência.

- Exigência, que exigência? É para trabalhar o mesmo horário, fazendo praticamente as mesmas coisas!

- A de mudar meu vestuário, não estou a fim. Estou bem assim.

- Marcos, você vai rasgar dinheiro a troco de não usar uma simples roupa social? Nem gravata precisa, eu só não posso ter alguém na posição em que quero te pôr, vestido como um aluno de educação física no segundo grau!

- Pois é. Não topo.

- Cara, acho que não é pedir muito, é uma exigência razoável! Quem ocupa essa função hoje é o Herbert, puta servidor bom, dedicado e leal. Como ele está se aposentando, queria passar essa função para o único cara que trabalha tão bem quanto ele aqui, que é você. Não é pedir muito uma roupinha social.

- Chefe, você provavelmente tem razão, não é pedir muito não. Mas eu simplesmente não topo. Eu sou quem sou, tenho minha própria rotina fora daqui, e mudar minha vestimenta me atrapalharia bastante.

- Mas...eu nem sei o que dizer, estou habituada com a posição contrária, as pessoas implorando e eu negando. Nunca me vi nessa situação, não é nem um pouco convencional, eu vou te dizer, viu, Marcos...

- É, Olga, vai ver eu também não seja um cara muito convencional. Liga não, é só meu jeito...

Muito tempo depois, Olga lembraria que foi exatamente naquele momento. Marcos disse aquela exata última frase naquele tom doce e conciliador que usava mesmo com os usuários mais encrenqueiros no balcão, ou explicando pela décima vez o mesmo procedimento para um colega mais obtuso. Aquele sorriso sereno com o qual aceitava os pequenos agrados que as colegas de seção sempre lhe levavam. Aquela calma de quem sabe quem é, mesmo quando todo o mundo ao redor já perdeu toda a noção de identidade ou honra. É o desprendimento que Olga viu, com treze anos de idade, no primeiro menino por quem se apaixonou, naquele rapaz cabeludo, espinhento e cheirando a suor, sempre com um violão a tiracolo e meia dúzia de canções do Raul Seixas em um limitado repertório. O rapaz que não ligava nem para opinião alheia, nem para as roupas de marca que tanto a fascinavam, nem para a cultura do banho diário, ou para qualquer dessas imposições convencionais da sociedade.

Ali estava na frente dela, a pessoa mais bela e doce que já havia conhecido, explicando candidamente que não trocaria sua própria identidade por dinheiro. As pessoas com quem ela estava acostumada a conviver, bem sabia, trocariam muito mais por muito menos. E foi naquele dia que ela se apaixonou definitiva e perdidamente por Marcos. Mas tudo o que conseguiu dizer foi:

- Eeeeerr...bem, está certo então. Não quer, não quer. Ah, mais um lance: vamos fazer uma festinha de despedida para o Herbert, só um lanchinho aqui na seção, mesmo. Vai participar?

- É claro. Eu sempre participo, né? Quanto dá para cada um?

- Ainda não fiz a conta, mas não vai ser caro, garanto.

- Beleza então, mais alguma coisa?

Olga segurou na garganta o “eu te amo” e disse, quase que roboticamente, que por enquanto era só.

Marcos saiu da sala bastante puto consigo mesmo. Primeiro, por ter que abrir mão de uma boa grana, com aquele salário poderia fazer upgrades completos em seu micro de seis em seis meses, em vez de anualmente, e também poderia comprar muito mais joguinhos. Segundo, por dizer não para a sua chefe. A filosofia dele sempre foi fazer tudo o que lhe era mandado, de forma a evitar qualquer tipo de problema ou encheção de saco. Agora, havia aberto um precedente, e torcia que ela não passasse a pegar no seu pé por causa disso.

Mas não tinha opção. Apenas em imaginar o roçar da microfibra em seus antebraços, ele já tremia. Mas pensou resolutamente que, a partir daquele momento, faria qualquer coisa que a chefe pedisse, para compensar aquele “não”. Desde que, naturalmente, não envolvesse usar roupas diferentes daquelas que já lhe faziam mal. Ele já havia tentado de todas as formas, até em psicólogo havia ido quando jovem, para tentar superar sua ojeriza. Nada deu certo, e Marcos chegou à conclusão de que seu problema era, com certeza, de natureza física, e nada daria jeito naquilo. Aceitar a função lhe traria muito, muito sofrimento. Seria um dinheiro maldito, horrível, horrível, horrível... só de pensar nisso Marcos começou a suar.

Quando saíram da sala fechada, Olga correu direto para o banheiro. Marcos alisou os cabelos para remover o suor e foi direto para o balcão. Os colegas se entreolharam, soltaram todos um meio-sorriso e um “hmmmmmmmmmmmmmmmmmm!!!” praticamente uníssono. Um colega mais ousado, Yuri, aproveitou a ausência da chefe e disse para Marcos sem rodeios, na frente de todos:

- Aê, Marcão, se deu bem, hein, meu velho?!!!

As chamas da esperança se acenderam nos corações de todas as moças da sessão, até que ele respondeu:

- Nem, cara, eu não topei.

Todos fizeram aquela típica cara de espanto, ao mesmo tempo, como em uma comédia antiga. Yuri disse quase gritando:

- Não topou, tá maluco porra? Sabe quantos aqui tiveram um oportunidade dessas? Ó caralho alado!

- Nem, cara. Eu teria que trocar minhas roupas, não estava nem a fim. Mas não sou o único cara bom daqui, vou recomendar para ela que passe a bola pra ti, o que acha?

- [espantado] T-t-tá, cara, tudo bem, mas vai na calma, tá? Não quero rodar na mão da chefe, vai que ela não gosta da idéia e me pune por dar uma de abusado?

- [rindo] Acho que não tem nada a ver, cara, mas tudo bem. Não sabia que você era tão bundão, porra!

A chefe voltou para a sala, com um ar cabisbaixo e desnorteado. Os homens, com exceção do sempre sereno Marcos, olharam com pena. As mulheres, por sua vez, acumularam um estranho sentimento, distorcido e infundado, um certo senso de vingança misturado com despeito, para lá de satisfeito.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

BULDOZER 6 ANOS



Seria uma desculpa até bem boazinha dizer que o Buldozer completa 6 anos inaugurando um novo perfil, onde se preza a qualidade acima da quantidade de posts, e que depois de um certo momento a gente fica de saco cheio de escrever abobrinha só pra encher linguiça, e outras desculpas do tipo. Mas todo mundo ia sacar que se tratam de desculpas furadas para o fato de que a atividade por aqui baixou mesmo, por pura falta de tempo e saco. Mas não estamos mortos! Not dead, not yet.

Mas é verdade que, por enquanto, continua minha falta de cabeça para manter o ritmo com posts rápidos sobre as tosqueiras do mundo. A realidade é tão mais impressionante e tosca que a pior imaginação, e quaisquer comentários acabam por se tornar irrelevantes. Além disso, o Buldozer sofreu uma espécie de mitose, absolutamente indolor (ui), e agora os leitores podem apreciar a verve tosca de Reinaldo, o Bruto em um novo blog, o Bigotron, onde podem ser achadas pérolas do humor cibernético, como CSI Boca do Lixo, Amor Tropical e a Semana Macho.

Aqui a coisa deve continuar mais esparsa. Por enquanto, acompanhem A Sina de Marcos, uma história que vai tirar os seus botões do lugar. Depois, veremos os novos arcos de Meirelles é Muitos e mais Contos do Commercio. Aguardem!

domingo, 26 de outubro de 2008

A SINA DE MARCOS - parte 01

Onze horas da manhã, horário de Brasília. Aquela sempre era a pior hora do dia para Marcos: a hora de ir para o trabalho. Ele entrava no chuveiro e enrolava o máximo possível, mas tinha a consciência de que, às onze e meia, teria necessariamente que estar na parada, para não perder o ônibus. Não era o trabalho em si que o incomodava, muito pelo contrário. Era a parte do dia em que tinha contato humano, algo que ele apreciava muito, desde que fosse em um ambiente controlado, em doses moderadas, envolvendo distâncias civilizadas, como acontecia no ambiente profissional. O que realmente o incomodava é que, naquela hora do dia, precisava se vestir. Não tinha opção senão colocar roupas, e sentir aquela terrivelmente incômoda sensação de atrito entre o tecido e a sua pele. Aquela era a pior parte, sair da confortável nudez para o horrível processo de colocação das roupas em si. A calça não incomodava tanto...mas a blusa, essa sim era um verdadeiro suplício, especialmente em cima dos ombros, quando andava e mexia os braços, a sensação era quase insuportável. As meias eram o problema mais sério. Se as comprasse largas, como as roupas, elas incomodavam muito na locomoção. Se não as usasse, seus pés tinham contato direto com o interior dos tênis, ainda mais ásperos e incômodos. Então, era obrigado a suportá-las justas, em constante atrito com todos os pontos de seus pés e com as canelas.

Nunca sequer havia cogitado a possibilidade de usar cuecas, isso, sim, seria verdadeiramente insuportável. Sentia-se como Darth Vader, vestindo uma horrível armadura por cima das queimaduras. Mas não tinha jeito. Se não trabalhasse, teria que voltar a morar com sua mãe, que lhe obrigava a baixar o volume do computador de madrugada, não o deixava comer pizza todo dia, e o pior de tudo, lhe obrigava a usar roupas dentro de casa.

Já na adolescência, utilizando uniformes escolares, notou que a chamada “malha fria” não era tão incômoda como os demais tecidos, principalmente se utilizada em roupas largas. Isso o levou à adoção de um visual esportivo constante, como se sempre estivesse fazendo cooper em um dia de outono: calça estilo moleton, camiseta de manga curta, tudo em geral na cor cinza, com tênis de corrida. Com aquelas roupas, conseguia se acostumar após cerca de quinze minutos de utilização. Disciplinou-se para resistir à vontade de tirá-las, e, àquela altura do campeonato, em que tinha vinte e quatro anos de idade, já era mais ou menos automático esse controle. Ele quase conseguia esquecer da sensação de atrito, daquele incômodo maldito, do terrível tecido.

Naquele momento, estava no ônibus para o trabalho. Como fazia quase todos os dias, bendisse o cargo público que ocupava, que lhe permitia trabalhar em uma repartição onde seu visual era relativamente tolerado. Era concursado e seria difícil puni-lo por tal razão. Para evitar maiores problemas, dedicava-se bastante ao serviço, o que acabou fazendo sua chefia relevar um pouco aquele visual de moleque em dia de aula de educação física, que o caracterizava, e valorizá-lo por seu desempenho. Claro que ele jamais havia explicado a verdadeira razão pela qual se vestia daquela forma, sabia que as pessoas teriam dificuldade para entender. Por acaso, um colega mais engraçadinho havia lhe providenciado uma desculpa conveniente logo na primeira semana de serviço:

- E esse visual de campeão aí, Marcos? Por acaso vai para a Olimpíada de Pequim daqui a três anos? Defender a nossa bandeira, bróder? Então traz uma cabeça de tibetano engarrafada no saquê pra mim!

Marcos pensou rápido:

- Cara, vou ficar devendo esse teu brinde macabro... o máximo que faço é voltar correndo pra casa todo dia, por isso essas roupas. Economizo o busão e ainda faço exercício, sacou?

- Porra, velho...puta idéia boa. Faz bem, bicho, faz muito bem mesmo. Manda ver, campeão!

Até então Marcos tinha mesmo o costume de fazer cooper, mas cerca de duas, no máximo três vezes por semana, perto de casa, de acordo com o seu humor para vestir os shorts, meias e tênis necessários. Nada demais, só mesmo para queimar a caloria da pizza. Mas aquela idéia era mesmo muito boa! Ele arranjaria uma desculpa eterna para seu visual, economizaria ônibus, faria um exercício mais puxado e de quebra ainda se livraria dos shorts periódicos! No mesmo dia da conversa, experimentou voltar correndo para casa. Parou no meio do caminho e terminou o percurso andando bem devagar, aquilo cansava! Com o tempo, porém, pegou o ritmo, e naquele dia, depois de três anos em tal rotina, o percurso já havia se tornado familiar e ele o percorria sem pausas. Periodicamente, estabelecia novas metas de tempo. Passou a aproveitar o pique e, chegando do trabalho, após o cooper, aproveitava e fazia umas barras, paralelas e abdominais nos aparelhos improvisados que os malas da quadra onde morava haviam construído com cimento, tijolos e barras de ferro. Após alguns anos, havia se acostumado com tal rotina, e se sentia muito saudável com aquilo tudo.

Ele não era o único que o achava bastante “saudável”. A mulherada da seção se ouriçava mais a cada dia, e os comentários baixinhos na copa se apertavam entre a garrafa térmica e o microondas. Marcos, porém, parecia não dar muita bola para ninguém, nem do lado de dentro do balcão, nem do lado de fora. Na seção, nenhuma das moças tinha ainda se arriscado a uma abordagem direta, como um convite direto para sair, ou elogios rasgados ao seu físico. Apenas transbordavam em simpatia e mimos para o lado do rapaz, como lanchinhos caseiros e suquinhos de laranja, ao que ele respondia com um simples agradecimento. Não era, porém, por pura timidez que ninguém ainda o havia abordado. Todas já sabiam que o moço estava na mira da chefe da repartição, e não ousavam avançar o sinal vermelho, pelo menos não até terem certeza que sua superior já houvesse tido a primazia de experimentar o material. Além disso, todas tinham a consciência que a chefe, além de sê-lo, era a grande gata da seção, sem concorrência à altura.

Olga tinha 38 anos e cerca de um metro e oitenta de altura, que se tornavam mais de um e noventa acima de seus indefectíveis saltos altos. Seus olhos eram de um profundo azul, e inquiridores, e marcavam seu belo rosto eslavo, que indicavam sua ascendência ucraniana. Seu corpo era perfeito, esculpido em vinte anos de absoluta disciplina em academias de ginástica. Após o desmame de sua segunda filha, a mais nova, não havia pensado duas vezes e implantou próteses de silicone discretas, que não aumentaram seus seios, pois que sempre haviam sido grandes, mas garantiram sua solidez por toda a eternidade. Por fim, emoldurava esse incrível conjunto com caríssimas roupas de trabalho, ternos e tailleurs com o desenho perfeito entre a sensualidade e a sobriedade, mostrando todo o conjunto escultural daquela senhora, mas sem sombra de vulgaridade.

Apesar de que seria bem mais fácil proceder de outra forma, Olga optou por ascender no órgão onde trabalhava por meio de seriedade e competência no trabalho, e a função que ocupava atualmente era a máxima permitida por seu cargo. Sempre soube driblar o eventual assédio com profissionalismo e bom humor, e após oito anos de casa, já era famosa por ser absolutamente impegável. Era casada desde o primeiro dia no órgão, e todos os que tentaram algo receberam dispensas simpáticas e discretas, alguns insistentes tiveram que lidar com foras incisivos, e uma autoridade um pouco mais abusada teve três dedos da mão quebrados após uma apalpada indevida. Na ocasião, ameaçou-a, mas Olga avisou serenamente que, em caso de qualquer retaliação, a esposa dele ficaria sabendo, o que resolveu o problema definitivamente.

Um dia, três anos antes, havia recebido aquele rapazote recém-admitido para trabalhar na repartição. Como todo novato, decidiu colocá-lo para sofrer um pouco no balcão de atendimento, bem mais puxado e cansativo que os serviços internos. Afinal, ele tinha um visual bastante desleixado, e se sua personalidade a isso correspondesse, precisaria ser adequadamente disciplinado. Logo ele começaria a errar, e dessa forma ela estaria mais à vontade para exigir-lhe, dentre as várias prerrogativas de trabalho, que adequasse seu vestuário. Qual não foi sua surpresa, porém: o rapaz aprendeu todo o serviço de balcão em menos de uma semana, era prestativo e educado com o público, usava de um português corretíssimo, e ainda por cima ajudava os colegas com outros serviços quando o balcão estava vazio. E, além de tudo, era bem bonitinho.

Olga buscou afastar esse pensamento de sua cabeça, afinal, em um casamento de vinte anos nunca havia traído seu marido, embora oportunidades não faltassem. Ele viajava muito a serviço, mas sempre compensava na volta, a satisfazia de forma plena, e no final das contas, ela era feliz no casamento. Ou pelo menos, já havia sido. Nos últimos dois anos, as viagens se tornaram demasiado longas, e ele sempre chegava cansado e desanimado. Ela pensava que talvez a idade estivesse cobrando seu preço dos dois, e redobrava a malhação e os cuidados estéticos com pele e cabelo. Mas nada adiantava, o marido, quando muito, comparecia de forma burocrática às suas obrigações conjugais. E mais três anos se passaram, o marido então completava cinco anos de relativa apatia sexual. Ele era um homem muito fechado e tradicionalista, e Olga não se sentia à vontade para puxar uma conversa sobre o assunto. Ela tinha uma vida perfeita, uma família maravilhosa, dois filhos inteligentes e saudáveis, e não seria justo estragar tudo com suas taras.

Mas o novo rapaz, após três anos de trabalho, em vez de se tornar mais feio com a passagem do tempo, se tornou mais atraente. E, ao contrário de praticamente todos os homens com quem ela já havia trabalhado, nunca havia demonstrado qualquer interesse por ela. Justo ela, que até de um cabelereiro gay já havia ouvido “olha, meu negócio é homem, mas você...você eu encarava! Você é linda”. Por outro lado, ela não teria coragem de fazer com Marcos aquilo que ela sempre detestou ser alvo, abordá-lo, assediá-lo, mas não conseguia resistir a passar cada vez mais tempo olhando para ele. No começo, ela viu que os colegas estavam notando e tentou se segurar, mas com o tempo, desistiu de resistir. Ela se deliciava ao ver o rapaz gesticulando amavelmente enquanto atendia as pessoas no balcão, ou retesava os músculos carregando pilhas de documentos, sempre com seu ar jovem e sereno. Todos notavam a admiração – menos ele. E, a contragosto, ela percebeu que ao mesmo tempo em que aquilo a incomodava profundamente, ela se sentia como quando era uma adolescente magrela no primeiro grau, apaixonada e insegura. Marcos a fez se sentir viva novamente, ela percebeu que há anos havia esquecido do que se tratavam as delícias da incerteza e da expectativa. E então, absolutamente, não sabia, pela primeira vez em muitos anos, o que deveria fazer.

Fim da parte 01

Veja também a primeira história de Marcos

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

terça-feira, 30 de setembro de 2008

ORGULHO NACIONAL

Mais uma vez o nosso grande país está devidamente representado no Darwin Awards, dessa vez com um caso famoso, o do padre balonista.

Isso certamente traria lágrimas nos olhos de Don e Ravel. Avante Brasil! E vamos torcer para que, na apuração final, nosso representante receba seu merecido primeiro lugar! E ele tem grandes chances, porque rolou algo que "nunca antes na história desse país" havia acontecido, ele foi considerado um Double Darwin: além de remover seus genes da humanidade por meio da seleção natural, foco normal do "prêmio", também o fez por meio de seu voto de castidade!

sábado, 23 de agosto de 2008

Enrolando os leitores - O VEREADOR DE LOST

Uma das melhores coisas de se morar no Distrito Federal é escapar das malditas eleições municipais. Por outro lado, algumas figuras hilárias acabam passando batidas. Por isso, faça como o deLeon e ajude o Buldozer a enrolar os leitores. Pelo que entendi, foi o próprio que deixou a dica no Rolo Compressor do último post, mas não tenho certeza. De qualquer forma, visitem o site do cara e assistam o vídeo:



Esse segue a melhor tradição de Afonso Brazza e da Cucão Filmes! Leitores de Pelotas, vocês já tem seu candidato! Apesar de não ser filiado ao PAB, ele tem nosso apoio!

Devo admitir, porém, que para os padrões do PV esse deLeon, na verdade, é até bem normótico. Aqui em Brasília tínhamos como grande candidato a deputado distrital o saudoso Marcão Adrenalina (que Deus o tenha). Se bem me lembro, ele tinha como propostas direcionar os incentivos culturais da cidade para o rock'n'roll e "rediscutir e debater", ou coisa assim, o uso recreativo da cannabis. Ele foi para o paraíso dos roqueiros em 2006, e aguardamos um sucessor à altura!

P.S.: não, caras, não vou fazer nenhuma piadinha sobre o fato desse deLeon ser de Pelotas e o vídeo mostrar ele caçando homem. Nem o Buldozer seria tão imbecil.

UPDATE: deLEON DEU PRA TRÁS

O nosso outrora-novo-ídolo deLeon renunciou à candidatura e se desfiliou do PV, segundo ele, para continuar trabalhando com o que realmente gosta: fotografia, filmagem, etc. Porra, deLeon! Perder de WO? Fotografia e filmagem?! Assume de uma vez e vira logo artista performático, porra!

domingo, 3 de agosto de 2008

PERDENDO A CLASSE 2



Hoje minha manhã começou maravilhosa. Eu estava no meio de um ménage a trois com a Sylvia Saint e a Austin Kincaid, eu fazia um cunete na Sylvia enquanto a Austin me cavalgava vigorosamente, e as duas, uma de frente para a outra, se beijavam e acariciavam com alguma violência... e um som estridente começou a vir de algum lugar distante, em ondas, cuja intensidade não parava de aumentar. Era o telefone.

Muito sonolento, acordei com um péssimo humor pela interrupção de um dos melhores sonhos dos últimos dez anos, e estiquei a mão para atender a porra do telefone. Quem seria o maldito filho da puta, pronto para tirar um cristão da cama às nove da manhã de um domingão? Ontem estava no show do Joe Satriani, não precisava dirigir e enchi a lata de uísque. Meu plano era acordar meio-dia, encher o estômago vazio de coca-cola e sair para almoçar algo o menos saudável possível. Em vez disso, eu fui tirado abruptamente do melhor sonho de suruba do universo praticamente de madrugada. Tateei a parede, peguei o fone e encostei na orelha. Som de ligação a cobrar. "Ah, não", pensei meio confuso, "fala sério que é esse prego de novo". Pois era! A mesma voz de travesti fingindo choro:

- MÃÃÃÃÃEEEE!!! PAAAAIIII!!!!

Aquilo não podia estar acontecendo. Esse viado não desiste? Na vez anterior eu briguei comigo mesmo pela oportunidade perdida de zoar o cara. Mas, porra, hoje eu estava com muito sono, e com um óbvio mau humor súbito devido à circunstância. Só respondi, com aquela voz típica de quem está acordado, mas queria muito ainda estar dormindo, de quem se recusa a abrir os olhos. Aquela voz de desprezo padrão de quem foi acordado por um escroto sem noção do caralho:

- Porra, brother! Eu não caio nessa não!

Pronto. Rápido, direto e objetivo. O cara iria desligar, procurar outro otário para arrancar grana e crédito de celular, e com alguma sorte, eu conseguiria voltar para o que estava fazendo. Mas, em vez disso, sem nem fingir que saiu do fone, o cara disse:

- [voz de homem, com sotaque forçado de malandro carioca]: Tu já caiu, mané! Já caiu! Agora pega na minha vara!!!

Mas que filho da puta! Aposto que se não fosse ligação a cobrar, ele não ia estender o papo. Mas continuava a me encher. Fiquei puto:

- Aposto que tem muita vara aí onde você tá, né?

Acho que a vida na prisão, apesar da proximidade praticamente íntima imposta pelas celas superlotadas, deve ser um pouco solitária. Porque, em vez de simplesmente desistir, ou me xingar, o cara só respondeu:

- É... tem. - e se calou.

Só me faltava essa. Virar confidente de mala presidiário que esconde o celular no rabo, e ainda pagando a ligação. Daqui a pouco, se deixasse, ele estaria se lamentando, como é vítima da sociedade, que foi injustiçado pelo estado, e que tudo aquilo era consequência do fato de ter sido enrabado pelo vovô com seis anos de idade, que ficou traumatizado, que por isso não sabe o que é ter amor no coração e blábláblá. Achei melhor simplesmente desligar o telefone.

Tentei pegar no sono de novo, mas a Sylvia e a Austin não estavam mais lá. Devem ter enjoado de esperar, provavelmente se vestiram e foram embora, para terminar a diversão em outro canto. Azar o meu. Maldito mala!

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

PERDENDO A CLASSE

A bandidagem não é mais o que era, em vez de encarar o fulano frente a frente com um bom revólver à mão, resolve utilizar o celular. Em alguns casos, com resultados hilários. Ontem recebi uma ligação a cobrar:

- [voz de travecão bem fininha, imitando choro e desespero]: AlÔÔÔ? Mãããe?

- [eu] Hã?

- [sacou que era homem do outro lado]: Paaaaiiii!!!!

- Moça, acho que você ligou errado...

- [com a voz um pouco mais grossa] Hã...é da Asa Norte?!

- Sim, senhora...

Desligou. Que picareta amador. E não posso falar nada, perdi uma bela oportunidade de diversão:

- [voz de travecão bem fininha, imitando choro e desespero]: AlÔÔÔ? Mãããe?

- [Eu] Peraí, menina, vou chamar - então gritaria - Raimuuuuuuuuuuunda...Raimuuuuuuuuuuuuunda... telefone!!! - voltando ao telefone - peraí, menina, ela tá com um cliente no quarto, mas vai pegar a extensão.

- [Bandido animadinho] - Peraí o caralho, quero que você deposite vinte mil reais...

- [Eu, puto] Puta que o pariu, cara, ela continua usando essa merda que tu vende? Pô, tirei essa farinha da bolsa dela semana passada para conferir, puro pó de mármore, quase não bate! Nem fudendo, dá um abatimento aí que a gente conversa...

- Mermão, tá maluco? Isso é um sequestro!

- Moleque, eu já cuidava de um batalhão de putas quando tu ainda tava nos cueiros, tu não me assusta. Babaquinha de bermudão, se acha macho por conta de um ferro? Saiba que essa menina trabalha para mim também, se você escostar um dedo no que é meu, comprou tua passagem pro inferno!

- É?! Então ouve ela gritar [voz de traveco sem nem desencostar do gancho] AAAAAAAH!!! Não, isso não!!! Poooooooor favoooooooor!!!! AAAAAH!

- [ Eu, fingindo que acreditei ] Seu filho da puta, você está MORTO! MORTO!!!

- Vamos conversar sobre grana, velho?!

- Só se for pra pagar teu FUNERAL. Eu te PEGO!!! [desligo na cara do sujeito]

A ligação ia sair meio cara, era a cobrar, mas acho que valeria cada centavo.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

domingo, 22 de junho de 2008

Meireles é muitos - Arco 1- Contracultura, grana e poder

Parte 5 - Epílogo



Capítulos anteriores: Parte 1 - Parte 2 - Parte 3 - Parte 4

O casório aconteceu a jato, conforme prometido pelo General Horus. Ele fez tudo muito requintado e organizado, já havia servido em comitês de cerimonial no passado. A recém-inaugurada Catedral de Brasília foi ricamente decorada para o evento. Várias personalidades importantes, civis e militares, compareceram à cerimônia. Apesar de ter-se feito tudo para evitar tal visão, Gisele era muito magra, e a sua barriguinha apareceu levemente arrebitada por baixo do vestido de noiva. Apenas três meses de gravidez, o pai pensou, e ela já estava alterada. Quinze anos! Muito nova!

Na verdade, o General Horus pensava mesmo é no tamanho da conta. A festa foi extremamente fina e bem servida, no salão principal do Hotel Nacional, o que foi muito conveniente, pois diversas autoridades de outras cidades compareceram para felicitar a união do casal, e se hospedaram lá. O problema era que ele já havia gasto todas as suas economias na festa de debutante da moça no fim do ano anterior, e de repente, surgiu essa inesperada necessidade de promover o casório. Ele não tinha dinheiro, e pediu ajuda a um amigo antigo, um grande empreiteiro paulista, que se prontificou a patrocinar o evento. Agora, por mais desconfortável que isso fosse, ele devia aquele favor. Nada havia sido pedido em troca, na verdade, a amizade havia sido o pretexto do imenso favor. Mas aquela situação o deixava inquieto. O que poderia fazer, por outro lado? Era sua única filha, e para ela, sempre, só o melhor.

Ao menos, Meireles havia enquadrado aquele rapazola impertinente. Ele já estava inscrito em um curso de técnico em contabilidade, e segundo os professores, aprendia o ofício com bastante desenvoltura. “Minha família sempre teve uma facilidade para a matemática”, explicou Meireles, “acho que o moleque não vai ter maiores dificuldades com essa profissão, não”. O General Horus, por sua vez, já havia feito sua parte: assim que voltassem da viagem de lua-de-mel no Rio de Janeiro, o rapaz já estaria empregado como auxiliar de contador no setor financeiro do MEC. O salário não era muito bom, mas eles teriam um apartamento funcional, e, naturalmente, ele ajudaria nas despesas. Podia ouvir, na mente, suas próprias palavras, duas semanas antes:

- Arquibaldo, é o seguinte: você é um bosta e não vale nada. Mesmo assim, tenho que te descolar um emprego, minha filha não vai ser casada com um vagabundo. Teu pai disse que você não está sendo uma vergonha completa no teu cursinho de contabilidade, então vou te descolar alguma escrivaninha num ministério desses da vida, para cuidar de contas e planilhas. Estamos entendidos?

- [resignado] Tamo, sogrão. Isso aí.

- Como, moleque?!

- Hã... quer dizer...sim, senhor.

- Melhor. Agora, teu salário vai ser uma merda, então a regra é o seguinte: eu sustento minha filha, você sustenta o seu, entendeu?

- Sim, senhor.

- Excelente.

E a partir daí a vida transcorreu calma nos meses seguintes. Arquibaldo estava até se acostumando com aquela rotina, não era assim tão ruim. O trampo não era difícil, o cabelo curto era mais fácil de manter limpo, e a Gisele até que não mandava totalmente mal na cozinha. Com a força dos velhos, a grana tava tranqüila. A Gi, por sinal, era uma louquíssima máquina de trepar. Quando se jogava em cima dele com aquele barrigão, ninguém segurava a maluca, eles se enchiam de cana, puxavam um fumo forte e depois fodiam como coelhos. Sentia falta da Doris, eles treparam poucas vezes depois do casório, era bem mais complicado armar desculpas para sair, e ainda tinha que rastrear horários em que o velho não estivesse em casa. Mas até que não poderia reclamar, a vida de casado estava boa mesmo, tranqüila e gostosa.

No dia do parto, a criança nasceu morta. Era difícil distinguir o sexo, ela tinha uma série de malformações, e além disso, sua pele possuía uma estranha cor, entre o cinza e o verde. O cheiro não era muito bom. Gisele chorou muito, Arquibaldo a abraçou, jurou que estaria com ela para o que der e vier, e levou um fuminho escondido para o hospital, para eles aliviarem a tensão. O General Horus chegou com várias flores, bem quando eles estavam terminando de matar a ponta. Ele derrubou Arquibaldo com um golpe de judô, arriou as calças do rapaz e enfiou o beque aceso bem no meio do cu do moço.

- AAAAAAAAAAAHHHH nããããão!!! UUUUUUUHHH!!! Como dói, como dói!!!!

Ele gritou alto, mas a ajuda demorou bastante a vir. Mesmo assim, a pontinha foi removida algumas horas depois, sem maiores complicações além de algumas semanas sentando de lado e bem devagar. Os colegas de trabalho, naturalmente, chegaram às suas próprias conclusões, e Arquibaldo teve que agüentar alguma chacota pelos anos seguintes.

FIM DO ARCO 1

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Meireles é muitos - Arco 1- Contracultura, grana e poder

Parte 4 - Sim Senhor!



Muito bacana o fusquinha que o velho comprou pra ele, vermelhão 68, ainda tava tinindo de novo. Menos de um mês, e o banco de trás da caranga já tinha conhecido a bunda de umas oito minas, ele estava mesmo disposto a quebrar todos os recordes brasileiros de foda jamais registrados. Pena que o carro não era conversível, se fosse, a conversa mole de “nosso amor tá escrito nas estrelas do céu que brilham só para nós bêibi” ia funcionar ainda mais rápido. Arquibaldo convenceu o velho a molhar a mão do cara do Detran pra descolar a porra da carteira pra ele sem maiores frescuras, nem fudendo que ia fazer psicotécnico e provinha de viado. Com o tanto de erva que ele tinha fumado nos últimos anos, era capaz dele chegar no psicotécnico e tentar enfiar o cilindro circular no buraco quadrado, que nem naqueles testes com macacos...

Rindo sozinho com essa cena peculiar em mente, ele entrou em casa com um extremo bom humor, depois da aula e uns três beises com a galera. Seria capaz de devorar um cavalo, de tanta larica. Passou pela porta e gritou pela Doris. O soco atingiu seu rosto em cheio, com toda a força, e Arquibaldo caiu com tudo no chão. Ouviu o grito do pai vindo de cima:

- Seu merdinha desgraçado!!! Você engravidou a filha do General Horus!!!

- Huh...General quem... mas que raio de nome é...

Foi interrompido por um chute forte bem na boca do estômago, se tivesse algo lá dentro, ele teria vomitado. Em vez disso, ficou lá, com uma bile esverdeada escorrendo pela boca, misturada com um pouco de sangue. Não sabia que o velho tinha aquela força toda. Ouviu uma voz rouca e sinistra no ambiente.

- Achei que a vida mansa ia te tirar o tino pro serviço, Meireles. Tenho que admitir que eu estava errado.

- Errado nada, general. É que, graças a esse imbecil, a minha vida não tem sido nada mansa nos últimos tempos. Nada mesmo!!!

E enfiou o sapato entre as pernas de Arquibaldo. O rapaz urrou de dor.

- Papai, manda ele parar!!! Por favor, tadinho do Bola!!! – gritou a linda Gisele, desesperada.

- É, Meireles, chega. Não vamos poder esperar muito, e o moleque não pode ter marcas de porrada, vão estragar as fotos.

- Sim, senhor. – Meireles aquiesceu respeitosamente. – De pé, moleque. Agora.

O instinto primitivo do medo produziu obediência imediata, o rapaz se esforçou verdadeiramente para levantar. Mas não conseguiu. A dor não permitia, como doía, como doía. O General Horus levantou do sofá preto de couro, dirigiu-se até Arquibaldo e acocorou-se do seu lado, falando perto do seu ouvido, porém alto, sem cochichar.

- Ouviu isso, rapaz? “Sim, senhor”, foi o que seu pai disse. Isso é música para meus ouvidos, sabia? É sim... porque, meu rapaz, “sim, senhor” não é apenas uma simples imprecação da língua, não mesmo. Trata-se de um autêntico marco civilizatório, é a garantia da evolução do nosso país. Porque o mundo é assim, os de cima comandam, os de baixo obedecem, e a produção acontece. Tudo muito disciplinado aqui, o “sim senhor” bem dito, explanado com convicção, é o que garante a ordem e o progresso. O teu pai é um bom soldado, sabia? Milico de verdade, durão, mas sem ser casca grossa, sem perder a postura... não tenho tantas esperanças em relação a ti, e acho que nem ele. Mas estou certo que podemos transformá-lo num trabalhador disciplinado, ah, podemos sim senhor. Sim senhor! Meireles, teremos que dar um jeito nesse cabelo aqui. É mais longo que o da minha filha, ó deus do céu. Assim os convidados não vão saber quem é a noiva, hahahahaha...

- Será providenciado, senhor.

Noiva. Aquela palavra tocou a tecla do mais puro terror dentro da mente de Arquibaldo. A surra não seria nada perto disso, ou cortar os cabelos, ou virar contador. Achou forças dentro de si que não sabia existirem. Arrastou-se até uma poltrona. Sentou-se e disse, sentindo o sangue na boca:

- Tá. Bora conversar.

- Conversar? Acho que você não está entendendo, rapaz. – disse o general, ríspido.

- Pera, eu já saquei tudo. Vamo lá. Meu velho tá duro, andei dando um preju brabo pra ele, então a gente resolve. A gente vende o fusca, faz a cirurgia e tira o pirralho. Resolve na manha. Cabou.

- Pirou, seu porra? Tá achando que minha filha é o que, uma vaca prenha? Tu vai assumir tuas responsabilidades, ninguém vai enfiar porra nenhuma de tesoura no útero da minha filha não! Somos uma família católica! Seu merda, te prepara pro casório.

- Peraí só um minuto!!! – agora Arquibaldo gritava com raiva – a Gi é legal, mas foram só umas fodas! Passou! Ela nem era virgem quando a gente transou!!! Nem fudendo que vou casar com ela!

Gisele, sentada do lado do pai no sofá, começa a chorar sem parar. Arquibaldo tentou apaziguar.

- Pô Gi! Não é nada contra ti, gatinha, você é uma mina legal. Mas eu não tô preparado para casar, simplesmente não tô, sacou? Sou muito novo pô, quero curtir muito ainda.

- Meireles – diz o general, com malícia na voz – acho que não vai ter jeito. Vou ter que entregar esse seu moleque.

- É – responde Meireles sorrindo – eu sei que foi errado esconder que ele é comunista, mas é meu filho, né? O senhor deve entender que se tratava do desespero de um pai.

- Você é comunista, Bola? Nunca imaginaria, agora estou com medo de você – diz Gisele espantada – papai, você quer me casar com um comunista?

- [carinhoso] Claro que não minha, filha. Você tem apenas quinze anos, não merece um destino desses. Se pelo menos ele tivesse um emprego, te restaria a pensão. Mas ser viúva de um comunista duro não é sina para você.

- Viúva? Comunista? Que conversa é essa – grita Arquibaldo em desespero – nunca fui comunista!!!

- E esses livros que eu achei nas suas coisas, moleque – diz o pai, brandindo exemplares do Manifesto Comunista e d’O Capital, de Karl Marx – o que me diz deles?

Arquibaldo nunca havia visto aqueles livros na vida. Aliás, nem gostava de ler, o negócio dele era pau na buceta, porra, não ler livro de comuna FDP e CDF.

- Mas que porra é essa?

- Ora, filho, estou aqui tentando convencer o General Horus a não encaminhá-lo a uma delegacia do DOPS. É um lugar muito duro, em todos os sentidos. Muitos não resistem. Um magricela como você, em especial eu tenho sérias dúvidas. O problema é que, por mais que eu tente convencer o General, a decisão final é dele, é meu superior. É importante que você colabore, é importante que todos colaborem, que o país inteiro colabore, nem que seja na marra. Ajude-me a convencê-lo, meu filho, ajude-me a convencê-lo que você não é um maldito subversivo. Que você é um bom rapaz, sempre disposto a fazer a coisa certa.

Agora já deu, pensou Arquibaldo. Hora da cartada final. Era hora do pai acabar com aquela merda nazista e passar para o lado dele, a ajudá-lo. E forçou a voz mais ameaçadora que poderia:

- Velho, por favor. A pressão está demais. Desse jeito, vou acabar tendo que revelar aquele seu segredinho sujo. Não me deixe sozinho, converse com o General. Convença-o a encontrar outra solução. Senão já sabe.

Calado, Meireles apenas olhou nos olhos do General Horus, que disse, de forma calma e incisiva.

- Ah, meu rapaz! Que pessoa imatura você é! Quando cheguei aqui, seu pai me contou a forma cruel com que você o vem chantageando. Que vergonha, moço. O que sua mãe pensaria disso?

- Ela jamais ficaria casada com uma bichona, se soubesse, General. E quanto ao senhor, quer passar a ter um viado freqüentando a sua casa? Acha isso normal?

O general ficou calado um tempo, seguido por todos. Enfiou a mão no paletó, puxou uma carteira de cigarros, pôs um na boca.

- Tem fogo, Meireles?

- Sim, senhor. – puxou um isqueiro do bolso, e acendeu o cigarro do general.

- Filho, seu pai não é nada disso. Eu fui colega dele na escola de cadetes, dormíamos no mesmo alojamento. O que acontecia ali era algo bastante normal entre internados, não se trata de ser bicha ou não. A forma como você coloca as coisas demonstra um grande desconhecimento, no meio militar não vemos as coisas da mesma forma que vocês, civis. Os conceitos são diferentes, as vivências são únicas, não se pode julgar situações diferentes com os mesmos critérios. A propósito, você deve passar a considerar esse assunto como Segredo de Estado, como questão de Segurança Nacional.

- Segurança nacional? O que o rabo do velho tem a ver com a segurança nacional?

- Você é civil, não espero que entenda o porquê. Mas entenda as conseqüências, rapaz: se tocar nesse assunto de novo, teremos que encaminhá-lo para uma prisão militar. E elas não são nada bonitas, eu te garanto. Não são feitas por nenhuma porra de arquiteto comunista, rapaz, foram feitas por militares muito machos, como teu velho. Você deveria ter orgulho de ser filho dele. Ele é um especialista em prisões, sabia? As que ele fez são à prova de fuga, é um engenheiro militar de primeira linha. Sem falar nos aparelhos que ele desenhou! Que eficiência! Não tem subversivo que agüente mais que algumas horas na “cadeira sucuri de aço”, nem no “pau-de-arara eletrificado turbo”, eles sempre abrem o bico rapidinho. Você gostaria de conhecer as criações de seu pai, Arquibaldo? Estou certo que seria muito instrutivo.

Arquibaldo pensou. Como nunca antes havia pensado na sua vida. Havia uma possibilidade real daqueles loucos estarem falando sério. De não ser blefe. De arrancarem seu pau com um alicate. De enfiarem uma chave de boca na sua bunda. Eles faziam esse tipo de coisa, ele sabia. E, de uma forma bizarra, conhecia seu pai o suficiente para saber que ele seria capaz de desenhar máquinas de tortura, sim, se acreditasse que aquilo seria bom para a pátria. O pai era um viciado em trabalho, e muito metódico em tudo. Se ele desenhou máquinas desse tipo, elas certamente funcionariam muito bem. Ficou aterrorizado. Se ele gostaria de conhecê-las? Não havia outra resposta possível:

- ...não.

- A propósito, belo nome o seu... Arquibaldo Meireles! Muito apropriado para um homem sério, sabia? Vai ficar bem em minha filha, Gisele Horus Meireles, veja só!

- [puto] É Arquibaldo da Silva e Souza Meireles, na verdade. Arquibaldo era o nome do meu bisavô...

- ...que morreu heroicamente na Guerra do Paraguai. É, seu pai já me contou, em outra ocasião. É um nome para se ter orgulho, rapaz. Muito orgulho mesmo. De qualquer forma, acho que estamos entendidos?

- ...sim.

- Esplêndido. Naturalmente, como pai da noiva, terei o maior prazer em patrocinar todas as despesas do casamento e da festa, que, aliás, será já no próximo mês. Afinal, não quero minha filha casando com a barriga saliente. Prepare o smoking, Meireles!

- Certamente, senhor. A propósito, devo acrescentar que, apesar das circunstâncias não serem muito convencionais, estou muito feliz com a união de nossas famílias.

- Falou como um autêntico cavalheiro! Meireles, compartilho dos seus sentimentos, mas não sejamos maricas, certo? Mantenhamos o decoro! Somos infantes, certo? Sujeitos durões! Agora estou indo, vou sair com a mulher e a menina para tratar os detalhes do casório e da festa. Te mantenho informado.

- Sim, senhor.

Meireles lembrou que Horus era bem durão mesmo. Em todos os sentidos. Mas aquilo tudo era passado, e ele teria que esperar até depois do casório para ir ao Rio, encontrar o Tonhão de novo e encarar toda a dureza do mundo. Se largasse o moleque sozinho, ele poderia aprontar alguma outra besteira.

- Bola! – disse Gisele já na porta – me liga, tá?

- ...tá, Gi. Ligo sim.

Observou, sentado na poltrona, sangrando pela boca, os dois irem embora, se despedindo com sorrisos. O mundo parecia rodar em torno de Arquibaldo, ele tinha perdido o chão. Mal conseguia andar.

- Vamos ao barbeiro agora, moleque. Temos que te comprar umas roupas novas também. Esses trapos hippies não caem bem a um sujeito sério. Você dirige. Vamos, rápido.

- Tá, velho, tô indo.

Meireles não disse nada, apenas encarou o filho fixamente, e permaneceu parado, com as mãos na cintura.

- Quero dizer... hã ...sim, senhor.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

É NÓIS - parte 9

Demorou, mas saiu.


segunda-feira, 16 de junho de 2008

Meireles é muitos - Arco 1- Contracultura, grana e poder

Parte 3 - Paraíso Doméstico


- Seu moleque maluco e filho da puta!!! Você destruiu meu carro!!!

- Porra, velho... gastei a maior grana grana pra rebocar a bagaça da caranga pra cá... se você tivesse só me mandado a papelada que eu pedi, pô, eu já tinha vendido a carcaça. Tu até podia ter ficado lá no Rio, que em vez de gastar dinheiro, a gente tinha era ganho...tu não me ouve...

- Te dar procuração, seu safado? Procuraçããão!!! – o velho começou a ficar vermelho – Seu monte de merda!!! Cabeludo filho da puta!!! Eu juntei grana três anos para comprar aquele carro, como você pretende ganhar ESSA grana, hein... seu viadinho!!!

- Ah... eu que sou o viado aqui? Aliás, como foi a viagem lá no Rio, já que o senhor tocou no assunto?

- Não muda de assunto, seu bosta! Tem um monte de ferro retorcido coberto com uma lona preta bem embaixo da minha janela!!! E eu estava viajando! Caralho, vou ser motivo de chacota pelo resto da vida! As velhas do prédio vão rir de mim no elevador!

- Ah, eu acho que não, velhão...pelo menos não por isso, acidentes acontecem, né? Agora, se elas soubessem o tipo de creme dental que o senhor usava na caserna...aí não dá para garantir nada, né?

O velho começou a tremer todo. Ele ainda daria conta de dar uma surra naquele moleque abusado. Apesar do rapaz ser maior e mais jovem, ele era um sujeito saudável, e tinha treinamento. Seu treinamento. Não gostava nem de lembrar da época do seu treinamento. Como doía, como doía... sentiu uma lágrima escorrer nos olhos. Coisas horríveis aconteceram durante seu treinamento. Agora, ali estava aquele filhinho de uma puta na sua frente, olhando bem no fundo dos seus olhos, ameaçando espalhar para o mundo aquilo que até um mês atrás apenas ele sabia.

Bem, não apenas ele, todo mundo que tenha passado duas noites, ao menos, naquele alojamento, entre 1942 e 1945, sabia o que acontecera, mas ninguém nunca tinha espalhado. Bendito decoro militar. Eles podiam até ter destruído seu cu, mas nunca se disse palavra sobre isso fora do quartel, e depois que saiu da escola de cadetes, ninguém mais tocou no assunto. Alguns dos seus vilipendiadores até mesmo trabalharam com ele durante a carreira. Nem uma única palavra. Agora eles eram os paladinos da Revolução, e tinham o grave dever de erradicar o comunismo em nosso solo, manter o povo na linha e conduzir o país para seu grandioso destino. E ele trabalhara com afinco para isso. Não era certo ser ridicularizado, após ter dado tudo pela família e pela pátria. Mas o mundo não é justo, é? Às vezes é necessário recuar.

- [resignado] Você tava apostando corrida, né?

- É.

- [mais controlado] Eu também apostei umas corridas no meu tempo, embora nunca depois de beber. Sempre terminei com o carro do mesmo jeito, acho que a gente dá valor para o que compra com o suor do próprio rosto. E eu tinha carta, né? Sabia dirigir de verdade. Você me deu um puta prejuízo, moleque. Vou vender a carcaça, como você sugeriu, completar a grana e te dar um fusca assim que você tirar a carteira. Se você acabar com ele também, vai ficar à pé de vez.

- [espantado] Mas... e você?

- Eu me viro. Sou um oficial das forças armadas. Mesmo reformado, não posso dirigir uma porra de besouro. Prefiro andar.

- Eu... tá, valeu.

Seguiu-se um silêncio bastante incômodo. O pai permaneceu de pé, olhando fixamente os olhos do de Arquibaldo, que não pode suportar e baixou a cabeça. Não poderia imaginar o pai dele andando de ônibus. O velho sempre havia sido tão orgulhoso! Lembrou que ele sempre lhe deu todas as caronas que pediu, se não estivesse trabalhando, com a maior boa vontade. Que o velho sempre foi durão, mas nunca tinha batido nele de verdade, só meia dúzia de palmadas quando pequeno. Que sempre foi meio fechadão e grosso, mas sempre deu tudo que ele pediu, brinquedos, roupas, grana para sair.

Bateu uma vergonha imensa, ele tinha que mudar de assunto, cortar aquele clima. Se pelo menos o pai desse as costas e saísse, como de hábito! Mas em vez disso, ficou ali de pé, encarando o filho, segurando a raiva, vermelho, com uma veia saltada na testa, a boca fechada, lábios retesados. Dizer alguma coisa, mudar de assunto, dizer alguma coisa...

- Ah, velhão, esqueci de te contar. Eu tô namorando.

- Namorando. Uma mulher?

- Uma menina, pai, linda ela. Uma gatinha mesmo.

- Ah, meus parabéns. Depois traga ela aqui para que eu a conheça. É de boa família?

- Eu... não sei. É lá da escola, ainda não conheci os pais dela.

- Verifique. É importante saber essas coisas.

Então, o velho Coronel Meireles, sentindo-se mais velho que nunca, virou as costas e saiu. Sentiu uma imensa falta do Tonhão, aquele rapaz moreno e musculoso que conhecera no Rio de Janeiro. Mas aquela era uma cidade grande e antiga. Brasília, ao contrário, era ainda um lugar novo, todos se conheciam, e por isso não poderia ali desfrutar dos entretenimentos heterodoxos de que dispunha, anonimamente e sob nome falso, no Rio. Só restava sair à noite, e visitar um puteiro tradicional mesmo.

Arquibaldo, por sua vez, tinha se arrependido de ter dito aquilo. Funcionou exatamente como previsto, mas ele nem pensava naquela putinha como sua namorada. Conhecer a família dela? Nem a pau, aquilo já tinha ido longe demais, três semanas inteiras com a mesma mina, hora de terminar. Ele faria aquilo no dia seguinte, chega de enrolação. Todas as mulheres do mundo tinham buceta, e ele estava só começando, estava disposto a experimentar pelo menos a metade. Lembrou então que, depois que o pai saísse, ficaria sozinho com a fogosa empregada Doris...quem precisa de namorada?

Então, foi à cozinha filar uma bóia e trocar uma idéia com a morena. O pai passou a noite toda fora, e ele, a noite toda dentro.

sábado, 14 de junho de 2008

Meireles é muitos - Arco 1- Contracultura, grana e poder

Parte 2 - A vida que eu pedi a deus



Clique aqui para ler a parte 1

- Porra, cara, tu é muito doido mesmo, né? Pinel!

Ele já estava comendo aquela patricinha há duas semanas seguidas, e achou que ela não devia ser muito inteligente, se demorou tanto para sacar algo que tava na cara. Ele era muito doido. É, isso era mesmo, mas doido com orgulho, com estilo, com pedigree, sacou? Ele era uma doido maneiro, e mantinha a pose em qualquer situação:

- Porra, mina, isso é, mas e aí? Tô no maior tesão em ti...levanta a saia aí...

- [rindo] Agora é assim, cara, sem nem carinho, nem um fuminho? Só essa de “levanta a saia aí” e pronto...

- Pô...mas é que você é especial, sacou...e a noite tá linda, olha as estrelas...cada uma delas lá em cima tá brilhando pra gente... provando o nosso apego, o nosso amor...

- Hihihi... você fala umas coisas bem bonitas...e é bem bonitinho também... estou gostando de estar com você, sabia, seu bobo?

Aquela conversa mole sempre funcionava com todas as garotas. “Ah porque eu te amo e as estrelas do céu brilham para nós e blá-blá-blá”, ou “sabia que essa música aqui, que tá em inglês, se você traduzir fala de um mundo novo, de liberdade, de amor livre e coisa e tal”... era isso, um pouquinho de carinho e erva, buceta garantida. E com aquela abestadinha ali não era muito diferente. Mas ela era, além de uma gatinha, mais limpinha, perfumada e bem arrumada que as minas bicho-grilo que em geral caíam nessa conversa pra boi dormir. Então, em vez do habitual chute na bunda após a foda, ele resolveu curtir um tempinho a mais com ela. E tava achando bom.

- Mas tem um fuminho aí, Bola? Tem um fuminho aí cara? Tou numas de fumar, cara, tou mesmo...

- Mas você é uma viciada mesmo, hein, mina? Porra, pera que ainda tem um fininho aqui na carteira, com certeza tem...

- Bola, você é demais, tá sempre preparado... por isso que eu gosto de você, seu maluquinho!

“Opa, alerta vermelho... pelo visto a mina tá começando a curtir a grudação... hora de armar a retirada estratégica, como diria o velho”, foi o que Arquibaldo pensou na mesma hora, mas podia ficar para depois. Naquela hora, o lance era fumar e trepar. Acendeu o baseado e passou para a menina.

- Porra, Bola, esse corte tá sangrando. Você tá machucado, cara.

- É só um arranhãozinho, mina, logo essa ferida fecha. Tomaí seu fininho que você tanto pediu...

-Também a gente tava fazendo merda, né? Não é à toa que você se machucou...

- Ah, deixa de ser regulada. Parece meu pai falando. Aliás, ele fala demais, o tempo todo.

- É... o meu também não me deixa em paz. – ela faz uma carranca tão séria que ficou cômica, com os olhos esbugalhados, e engrossa a voz - “Essa saia tá muito curta!”, “Volte cedo para casa”, “Tem que passar no vestibular”, “tem que aprender a tocar piano”, “abaixa o volume desse lixo inglês”. Sinceramente, se o velho não vivesse sempre viajando, eu não agüentaria. Ele passa pouco tempo em casa mesmo, então quando ele está eu agüento tudo só para não brigar com ele.

- E sua mãe? Não implica não?

- Ah, ela até implica, né? Mas como ela não sabe dirigir, ela deixa eu dormir na casa das minhas amigas.

- E aquela noite lá em casa? Como você explicou?

- Ah, seu bobinho, eu durmo onde eu quiser. Tem uma amiga minha que sempre diz que eu dormi lá, e pronto. Só tenho que ligar pra ela de manhã para montar o álibi né? Às vezes ligo de ainda de madrugada para garantir, ela fica puta da vida mas sempre me salva a pele, né....hahahahaha!

- hhihihihhihihihihihi ... passa a bola pô ... hihihihihihih...passaí...hahahahahehehee....

- Pô... toma, Bola... pô... deve ser por isso que te chamam de bola, ééé...você sempre pede para passar a bola... hahaha...

- [impressionado] Pôôôôôôôô... é mesmo .... nunca tinha pensado nisso...cê deve estar certa, aí, sóóóóó...

Arquibaldo dá um trago, pensa um pouco – bem devagar – e pergunta – também beeem devagar...

- Pô, aí... tem um lance que eu não entendi... a família da tua amiga não fica uma arara de você ficar ligando lá pra zoar não... pode ligar tua mãe hora dessa, atende a mãe dela e acaba melando o esquema...

- Ah, não cara... nem é...minha amiga mora sozinha, os pais dela esses dias... morreram.

- Os dois, cara? Puta merda, que desgraça... o que foi, acidente na estrada?

- Pô...foi uma barra pra ela, cara...foi na estrada não. Eles tavam presos no DOPS... não seguraram a onda dos interrogatórios, e se mataram por lá mesmo.

- Se mataram? Como foi isso?

- Ah foi muito horrível... cada um enfiou um cabo de vassoura no cu e atravessou até a boca... tiveram que cortar a ponta para não aparecer no velório... maior merda cara...

- Peraíííí... eles enfiaram um cabo de vassoura no próprio rabo, cada um, sozinhos? E socaram até a boca, atravessando intestino, estômago, pulmão e tal?

- É o que o governo disse, cara. Eu acredito, né, por que o governo iria inventar que eles se mataram? Minha amiga disse que não acredita, que eles foram torturados ou coisa assim. Mas acho que é só porque ela tá triste, não faz sentido o governo matar os pais dela. Pra quê fariam isso?

- Pô, eles eram comunistas?

- Que diferença faz, pô...aí...tão mortos né? Fui no enterro... porra, deprê. Deve doer morrer daquele jeito. Como será que conseguiram? Enfiaram o negócio no rabo e pularam do catre mirando a bunda no chão? Ah, não...que horrível...

- É... mas aí... que papo baixo astral mina...vem cá, me dá um beijo...

- É...dou sim, gato, você até tá sangrando menos, bem disse que ia ficar bom, né? Dou o beijo...hummmm... e tudo mais ...hummmm.

- É, vem cá...hummm...levanta a saia...

E foderam sobre os destroços da DKW Vemaguet do pai de Arquibaldo. O velho ia ficar uma arara, mas a culpa não tinha sido dele, e sim do filho da puta que tinha instalado aquele poste tão perto da pista, ainda bem que a porra resistiu e não caiu em cima do carro. Imaginou o que o pai estaria fazendo naquele momento, e quando pensou, por pouco não brochou. Que velho bicha! Depois a gente vê essa bronca com ele.

Pelo menos Arquibaldo tinha ganho o racha, o Bazuca fugiu quando o viu rodar na pista e atingir o maldito poste, mas ele tava na frente na hora. O Bazuca era um viado cagão mesmo, ia zoar muito o banana segunda-feira, na escola. A menina não se machucou, ele tava só com aquele cortezinho besta, e naquele momento, os dois estavam doidões e trepando. A vida não podia ser melhor, pensou. Ele ganhou o racha e a racha...ééééé...legal isso...o racha e a racha... pô, maneiro.


quinta-feira, 12 de junho de 2008

CANNIBAL HOLOCAUST - o filme mais dark da história



"Cannibal Holocaust" é um filme italiano de 1979, que se orgulha de ser o filme mais controverso de todos os tempos. Com cenas de empalamento, canibalismo, estupro, mutilações e violência com animais (que dizem ser reais!) o filme causou polêmica por onde passou e foi proibido em mais de 60 países. Abaixo está uma sinopse do filme, que retirei do site Boca do Inferno:

"Se você fizesse o espectador crer que tudo que ele está vendo é real, o filme não ficaria muito mais arrepiante? Pois foi justamente o que o roteirista Gianfranco Clerici fez: inventou a história de quatro jovens cineastas americanos que se embrenham na Floresta Amazônia para fazer um shockumentary, ou seja, um documentário feito para chocar, com cenas repulsivas. Para isso, pretendem filmar tribos canibais que supostamente ainda existem na Amazônia. Mas eles desaparecem. Um ano depois, uma segunda expedição entra no 'Inferno Verde' e encontra restos do equipamento destruído e os rolos de filme intactos, que são levados de volta à civilização e mostram o derradeiro e violento destino dos quatro jovens. A idéia é tão boa que vinte anos depois deu origem ao sucesso do cinema americano 'A Bruxa de Blair' (...) O filme é tão forte e seus efeitos tão realistas que, na época do seu lançamento, ele foi retirado de cartaz e o diretor Deodato teve que se explicar às autoridades. Eles acreditavam que 'Cannibal Holocaust' era um snuff movie, ou seja, um filme onde os atores são mortos de verdade em frente às câmeras."

O filme inspirou "A Bruxa de Blair"! Punk! Se você ficou curioso para ver o filme, é só procurar no Google que você vai achar vários locais para download (vale lembrar que esse filme não foi lançado no Brasil!). Para quebrar o galho, vou botar dois links aqui:

Torrent com legendas em português

Links para baixar do Rapidshare

E ainda tem gente que acha aquela merda de "Jogos Mortais" o filme mais impressionante do gênero...

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Meireles é muitos - Arco 1- Contracultura, grana e poder

Parte 01 - A festinha do barulho



Abril de 1970

Naquela noite de sexta-feira, não haveria vizinho capaz de estragar a festa. Toda a turma da escola tava lá, e mais um monte de gente que ele não conhecia. Gatinhas mil, provavelmente do primeiro e segundo ano também. Ele já tinha comido metade do terceiro e, mesmo doidão, lembraria da cara delas.A radiola nova que o velho tinha comprado era estereofônica, com capacidade de 2000 watts PMPO em cada caixa de som. Pelo menos é o que estava escrito no manual de instruções, Arquibaldo não sabia muito bem o que aquilo queria dizer, mas a barulheira era bacana demais, alta e nítida. “Eu tenho muita sorte”, pensou, “até que, para um milico reaça, o velho é gente boa”. As palavras do seu pai ainda ressoavam na sua mente doidona de erva:

[Três dias antes]

- Filho, estou indo passar um mês no Rio de Janeiro. Tenho que comem...quer dizer, me recuperar da morte súbita da tua mãe. Tu é grandinho e até dava pra te levar junto, mas você tá em aula, se fosse ia perder o ano. Mas o importante é você entender o seguinte: agora eu estou na reserva, o respeito e o medo não são os mesmos de antigamente. Não sou bobo e sei que você vai aprontar umas boas quando eu estiver fora. Sempre te falei, faz o que quiser mas respeita minhas regras, moleque. Você tá disposto a respeitar minhas regras?

- Engraçado, nunca tive escolha, velho. É a primeira vez que você pergunta.

- Moleque metido a esperto, respondão do caralho. Tu tá maior que eu, mas lá no subsolo do DOPS tanto faz tamanho, seu filho da puta.

- Calmaê, velho, esfria, tá? Vou fazer como você mandar, eu sempre faço né?

- Fui muito liberal contigo mesmo...mas foda-se, é o seguinte: primeiro, as pessoas precisam trabalhar, nada de festinha em dia de semana, ok?

- Feito.

- Feito o caralho. Como você lembrou bem, isso não é um trato, são as regras, porra.

- [engole seco] Sim, senhor.

- Melhor, porra. E também não pode festa no domingo de noite. Ao contrário de você, vagabundo, as pessoas trabalham!

- Mas eu estou estudan...

- Calaboca, seu merda! Esse ano é teu vestibular, então acho melhor você levar tudo isso muito a sério! Eu vim de baixo! Não tive essas oportunidades que você tem, de freqüentar escolinha particular de civil cheia de cocotinhas gostosas de minissaia não! Vim do interior do Amazonas! Entrei na escola de cadetes com quinze anos! Morava lá, cercado de macho! Um único dia que deixei escorregar o sabonete no vestiário, pronto, nego não perdoou! Acabei passando três anos sentando de lado e escovando os dentes com porra!

- [assustado] ...você nunca tinha me conta....

- MERDA! MERDA! MERDA! Você me tirou do sério, moleque! Perdi o controle! Porra...buááááááá...chuif...buááááááá...

- [apaziguador] Pai, você sabe que eu te amo, né? Eu sempre vou estar do seu lado, sempre vou te obedecer. Não quis virar milico porque não levo jeito, você sabe disso. Uso essas roupas coloridas porque tá na moda, as meninas gostam. Não é para te afrontar...

- [em prantos] Por que você me fez lembrar dessas coisas? Como doía, como doía...eu pedia para parar, mas eles se revezavam...buááááááá...toda noite no alojamento...foi horrível...buuuuuuuuh...

- [hipócrita] Chhhhh...pronto, passou, passou. Me dá um abraço aqui...assim, isso. Meu velhão...sabe que eu tenho o maior respeito por você, né? A maior admiração...no colégio, quando meus colegas dizem que o pai é médico, advogado, engenheiro, ou coisa do tipo, eu respondo com o peito estufado, maior orgulho: meu pai é oficial das forças armadas!

- Chuif...obrigado, filhão. Mas esqueça que viu isso, certo? Homem não chora!!!

“Chorar não, mas dar a bunda pode, né? Que coroa bicha!”, foi o que Arquibaldo pensou, mas achou melhor ficar calado. Aquele clima tava bom para arrancar uma grana a mais do velho, e também umas concessões.

- Então é isso, velho. Você vai viajar para o Rio - muito provavelmente para chupar pica, pensou – Eu acho uma boa idéia, o ar marítimo vai ser bom para afastar a melancolia da morte da mamãe.

- É isso, filho. O que eu ia te dizendo é o seguinte, na prática tu só pode se divertir por aqui no sábado à noite. Nada de drogas, hein? Sei que você não usa, mas ninguém pode garantir seus amigos, né? Pois aqui tá proibido.

- Tá.

- Outra coisa, mesmo sendo sábado à noite, você vai ter que dar uma amaciada nos vizinhos. Vai na confeitaria da esquina e encomenda umas três tortas. No dia da festa, você vai dar de presente para a dona Joaquina do 402, pra dona Ermengarda do 301 e pra Srª Ribeiro, do 502. O resto não tem a cara-de-pau de mexer comigo, só essas três são mais encrenqueiras, e eu quero evitar falatório.

- Tu vai de avião, né, velho?

- Negativo, vou de carro, por quê?

- Ah, nem faz isso, tô sabendo que a estrada tá uma barra só. Cheia de buracos e tal. Vai de avião, velhão! Deixa o carro comigo, o senhor aluga um lá.

- Pirou, moleque? Tu nem tirou carteira ainda, fez 18 mês passado! E se a polícia te pega?

- Ah, eu dou minha carteirada de filho de milico pô!

- Isso não é assim não! A polícia não vai engolir essa!

Arquibaldo já havia pego o carro escondido várias vezes, sabia que funcionava sim. Sem falar nas pelo menos dez vezes em que foi pego fumando maconha. Aquela carteirinha era salvadora, era só não matar ninguém e nada acontecia.

- Ah, qualé, velho? Você não vai estar aqui para me dar carona de madrugada! É perigoso andar na rua tão tarde. Além disso, esse negócio de ônibus é para bicha pobre que dá o cu contra a vontade! E que não quer que ninguém fique sabendo!

- O QUÊ!!!!???? Ah, seu pirralho filho da p... hã, bem...tudo bem, acho que descolo uma boquinha num vôo militar, tem indo pra lá praticamente todo dia. O carro é seu, mas vê se não vai apostar corrida ou coisa do tipo!

- [Sorriso vitorioso] Valeu! E o senhor vai deixar uma grana, né, velhão?

- Vou sim... você tem que comprar as tortas né? Também tem que manter a casa... a empregada vai cuidar de tudo, você só tem que fazer as compras enquanto eu estiver fora, ok?

- Tranqüilo. Ainda mais com a caranga, né?

Essas lembranças eram nítidas, embora um pouco confusas, na sua mente afetada pela erva, enquanto a vitrolinha do balacobaco tocava Purple Haze a todo volume no apartamento. É claro que toda a grana que o pai deu para as tortas virou maconha, mas as vizinhas implicantes não ficaram na mão, de jeito nenhum. Cada uma recebeu um bolo de chocolate especial, feito com erva, àquela hora deveriam estar viajando longe. Ele e a Doris, a empregada gostosa e pra frente da casa, já há muito tempo haviam descoberto o ponto certo da iguaria, temperado o suficiente para causar a lombra, mas suave para não revirar o estômago.

Ah! - pensava Arquibaldo com carinho - como a Doris era gostosa e vagabunda! Àquela hora certamente estava em um sambão em Taguatinga, e algum pé-rapado de lá se daria bem naquela noite. Mas tudo bem: ele tinha a semana inteira para curtir a morena, ainda mais sem o velho em casa...mas que otário! Nunca tirou nem uma lasquinha! A lembrança era nítida, tudo o que a lombra fazia era acrescentar um eco desagradável às palavras do pai:

- Nada de se envolver com a criadagem, filhote. É encrenca na certa. Desde o tempo da abolição que esses crioulos andam muito abusados. Além disso, sua mãe ficaria horrorizada.

- Podeixar, velhão. Pesquei o recado.

Arquibaldo nunca tinha entendido muito bem a diferença que seu pai tanto via entre preto e branco. Na primeira semana tinha tido um entendimento bem bacana com a mina, ela não era abusada, muito pelo contrário. Era bastante solícita e fazia tudo, tudo mesmo, que ele pedia, com um sorriso no rosto. Boazuda que só ela, apenas por existir era a prova viva para invalidar qualquer teoria de raça superior dos nazistas.

- Grande Doris! Ah, Doris!

- Doris? É a sua namorada?

Aquela voz linda, maravilhosa, lisérgica...vinha de algum lugar. De onde, de onde... e então ele viu, em meio a fumaça que empesteava a casa, aquela gata. Gamou na hora. Era uma gatinha muito linda...ela sentou na almofada ao lado dele, pediu um trago e começou a fumar junto.

- Qual seu nome, gatinha?

- Gisele, e o seu?

- Ah, meu nome é muito estranho. Graças a meu pai milico, que quis homenagear meu bisavô, que foi desmembrado por índios guaranis na Guerra do Paraguai. Idiota, né? A turma me chama de Bola.

- Bola? Mas pô...você é o maior magrelo... sequinho.

- Vai entender, né? Cabeça de chapado é assim mesmo...apelido mais sem nexo...

- Legal, Bola, legal... posso ficar fumando aqui contigo?

- Ô se pode, gatinha, ô se pode. Qual o seu nome mesmo?

- Gisele.

- Legal, Gisele, legal. Olha só, tem mais erva lá no meu quarto. Bora fumar lá?

- Bora...

- Vamo lá então, do balacobaco isso aí...