sábado, 14 de junho de 2008

Meireles é muitos - Arco 1- Contracultura, grana e poder

Parte 2 - A vida que eu pedi a deus



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- Porra, cara, tu é muito doido mesmo, né? Pinel!

Ele já estava comendo aquela patricinha há duas semanas seguidas, e achou que ela não devia ser muito inteligente, se demorou tanto para sacar algo que tava na cara. Ele era muito doido. É, isso era mesmo, mas doido com orgulho, com estilo, com pedigree, sacou? Ele era uma doido maneiro, e mantinha a pose em qualquer situação:

- Porra, mina, isso é, mas e aí? Tô no maior tesão em ti...levanta a saia aí...

- [rindo] Agora é assim, cara, sem nem carinho, nem um fuminho? Só essa de “levanta a saia aí” e pronto...

- Pô...mas é que você é especial, sacou...e a noite tá linda, olha as estrelas...cada uma delas lá em cima tá brilhando pra gente... provando o nosso apego, o nosso amor...

- Hihihi... você fala umas coisas bem bonitas...e é bem bonitinho também... estou gostando de estar com você, sabia, seu bobo?

Aquela conversa mole sempre funcionava com todas as garotas. “Ah porque eu te amo e as estrelas do céu brilham para nós e blá-blá-blá”, ou “sabia que essa música aqui, que tá em inglês, se você traduzir fala de um mundo novo, de liberdade, de amor livre e coisa e tal”... era isso, um pouquinho de carinho e erva, buceta garantida. E com aquela abestadinha ali não era muito diferente. Mas ela era, além de uma gatinha, mais limpinha, perfumada e bem arrumada que as minas bicho-grilo que em geral caíam nessa conversa pra boi dormir. Então, em vez do habitual chute na bunda após a foda, ele resolveu curtir um tempinho a mais com ela. E tava achando bom.

- Mas tem um fuminho aí, Bola? Tem um fuminho aí cara? Tou numas de fumar, cara, tou mesmo...

- Mas você é uma viciada mesmo, hein, mina? Porra, pera que ainda tem um fininho aqui na carteira, com certeza tem...

- Bola, você é demais, tá sempre preparado... por isso que eu gosto de você, seu maluquinho!

“Opa, alerta vermelho... pelo visto a mina tá começando a curtir a grudação... hora de armar a retirada estratégica, como diria o velho”, foi o que Arquibaldo pensou na mesma hora, mas podia ficar para depois. Naquela hora, o lance era fumar e trepar. Acendeu o baseado e passou para a menina.

- Porra, Bola, esse corte tá sangrando. Você tá machucado, cara.

- É só um arranhãozinho, mina, logo essa ferida fecha. Tomaí seu fininho que você tanto pediu...

-Também a gente tava fazendo merda, né? Não é à toa que você se machucou...

- Ah, deixa de ser regulada. Parece meu pai falando. Aliás, ele fala demais, o tempo todo.

- É... o meu também não me deixa em paz. – ela faz uma carranca tão séria que ficou cômica, com os olhos esbugalhados, e engrossa a voz - “Essa saia tá muito curta!”, “Volte cedo para casa”, “Tem que passar no vestibular”, “tem que aprender a tocar piano”, “abaixa o volume desse lixo inglês”. Sinceramente, se o velho não vivesse sempre viajando, eu não agüentaria. Ele passa pouco tempo em casa mesmo, então quando ele está eu agüento tudo só para não brigar com ele.

- E sua mãe? Não implica não?

- Ah, ela até implica, né? Mas como ela não sabe dirigir, ela deixa eu dormir na casa das minhas amigas.

- E aquela noite lá em casa? Como você explicou?

- Ah, seu bobinho, eu durmo onde eu quiser. Tem uma amiga minha que sempre diz que eu dormi lá, e pronto. Só tenho que ligar pra ela de manhã para montar o álibi né? Às vezes ligo de ainda de madrugada para garantir, ela fica puta da vida mas sempre me salva a pele, né....hahahahaha!

- hhihihihhihihihihihi ... passa a bola pô ... hihihihihihih...passaí...hahahahahehehee....

- Pô... toma, Bola... pô... deve ser por isso que te chamam de bola, ééé...você sempre pede para passar a bola... hahaha...

- [impressionado] Pôôôôôôôô... é mesmo .... nunca tinha pensado nisso...cê deve estar certa, aí, sóóóóó...

Arquibaldo dá um trago, pensa um pouco – bem devagar – e pergunta – também beeem devagar...

- Pô, aí... tem um lance que eu não entendi... a família da tua amiga não fica uma arara de você ficar ligando lá pra zoar não... pode ligar tua mãe hora dessa, atende a mãe dela e acaba melando o esquema...

- Ah, não cara... nem é...minha amiga mora sozinha, os pais dela esses dias... morreram.

- Os dois, cara? Puta merda, que desgraça... o que foi, acidente na estrada?

- Pô...foi uma barra pra ela, cara...foi na estrada não. Eles tavam presos no DOPS... não seguraram a onda dos interrogatórios, e se mataram por lá mesmo.

- Se mataram? Como foi isso?

- Ah foi muito horrível... cada um enfiou um cabo de vassoura no cu e atravessou até a boca... tiveram que cortar a ponta para não aparecer no velório... maior merda cara...

- Peraíííí... eles enfiaram um cabo de vassoura no próprio rabo, cada um, sozinhos? E socaram até a boca, atravessando intestino, estômago, pulmão e tal?

- É o que o governo disse, cara. Eu acredito, né, por que o governo iria inventar que eles se mataram? Minha amiga disse que não acredita, que eles foram torturados ou coisa assim. Mas acho que é só porque ela tá triste, não faz sentido o governo matar os pais dela. Pra quê fariam isso?

- Pô, eles eram comunistas?

- Que diferença faz, pô...aí...tão mortos né? Fui no enterro... porra, deprê. Deve doer morrer daquele jeito. Como será que conseguiram? Enfiaram o negócio no rabo e pularam do catre mirando a bunda no chão? Ah, não...que horrível...

- É... mas aí... que papo baixo astral mina...vem cá, me dá um beijo...

- É...dou sim, gato, você até tá sangrando menos, bem disse que ia ficar bom, né? Dou o beijo...hummmm... e tudo mais ...hummmm.

- É, vem cá...hummm...levanta a saia...

E foderam sobre os destroços da DKW Vemaguet do pai de Arquibaldo. O velho ia ficar uma arara, mas a culpa não tinha sido dele, e sim do filho da puta que tinha instalado aquele poste tão perto da pista, ainda bem que a porra resistiu e não caiu em cima do carro. Imaginou o que o pai estaria fazendo naquele momento, e quando pensou, por pouco não brochou. Que velho bicha! Depois a gente vê essa bronca com ele.

Pelo menos Arquibaldo tinha ganho o racha, o Bazuca fugiu quando o viu rodar na pista e atingir o maldito poste, mas ele tava na frente na hora. O Bazuca era um viado cagão mesmo, ia zoar muito o banana segunda-feira, na escola. A menina não se machucou, ele tava só com aquele cortezinho besta, e naquele momento, os dois estavam doidões e trepando. A vida não podia ser melhor, pensou. Ele ganhou o racha e a racha...ééééé...legal isso...o racha e a racha... pô, maneiro.