domingo, 22 de junho de 2008

Meireles é muitos - Arco 1- Contracultura, grana e poder

Parte 5 - Epílogo



Capítulos anteriores: Parte 1 - Parte 2 - Parte 3 - Parte 4

O casório aconteceu a jato, conforme prometido pelo General Horus. Ele fez tudo muito requintado e organizado, já havia servido em comitês de cerimonial no passado. A recém-inaugurada Catedral de Brasília foi ricamente decorada para o evento. Várias personalidades importantes, civis e militares, compareceram à cerimônia. Apesar de ter-se feito tudo para evitar tal visão, Gisele era muito magra, e a sua barriguinha apareceu levemente arrebitada por baixo do vestido de noiva. Apenas três meses de gravidez, o pai pensou, e ela já estava alterada. Quinze anos! Muito nova!

Na verdade, o General Horus pensava mesmo é no tamanho da conta. A festa foi extremamente fina e bem servida, no salão principal do Hotel Nacional, o que foi muito conveniente, pois diversas autoridades de outras cidades compareceram para felicitar a união do casal, e se hospedaram lá. O problema era que ele já havia gasto todas as suas economias na festa de debutante da moça no fim do ano anterior, e de repente, surgiu essa inesperada necessidade de promover o casório. Ele não tinha dinheiro, e pediu ajuda a um amigo antigo, um grande empreiteiro paulista, que se prontificou a patrocinar o evento. Agora, por mais desconfortável que isso fosse, ele devia aquele favor. Nada havia sido pedido em troca, na verdade, a amizade havia sido o pretexto do imenso favor. Mas aquela situação o deixava inquieto. O que poderia fazer, por outro lado? Era sua única filha, e para ela, sempre, só o melhor.

Ao menos, Meireles havia enquadrado aquele rapazola impertinente. Ele já estava inscrito em um curso de técnico em contabilidade, e segundo os professores, aprendia o ofício com bastante desenvoltura. “Minha família sempre teve uma facilidade para a matemática”, explicou Meireles, “acho que o moleque não vai ter maiores dificuldades com essa profissão, não”. O General Horus, por sua vez, já havia feito sua parte: assim que voltassem da viagem de lua-de-mel no Rio de Janeiro, o rapaz já estaria empregado como auxiliar de contador no setor financeiro do MEC. O salário não era muito bom, mas eles teriam um apartamento funcional, e, naturalmente, ele ajudaria nas despesas. Podia ouvir, na mente, suas próprias palavras, duas semanas antes:

- Arquibaldo, é o seguinte: você é um bosta e não vale nada. Mesmo assim, tenho que te descolar um emprego, minha filha não vai ser casada com um vagabundo. Teu pai disse que você não está sendo uma vergonha completa no teu cursinho de contabilidade, então vou te descolar alguma escrivaninha num ministério desses da vida, para cuidar de contas e planilhas. Estamos entendidos?

- [resignado] Tamo, sogrão. Isso aí.

- Como, moleque?!

- Hã... quer dizer...sim, senhor.

- Melhor. Agora, teu salário vai ser uma merda, então a regra é o seguinte: eu sustento minha filha, você sustenta o seu, entendeu?

- Sim, senhor.

- Excelente.

E a partir daí a vida transcorreu calma nos meses seguintes. Arquibaldo estava até se acostumando com aquela rotina, não era assim tão ruim. O trampo não era difícil, o cabelo curto era mais fácil de manter limpo, e a Gisele até que não mandava totalmente mal na cozinha. Com a força dos velhos, a grana tava tranqüila. A Gi, por sinal, era uma louquíssima máquina de trepar. Quando se jogava em cima dele com aquele barrigão, ninguém segurava a maluca, eles se enchiam de cana, puxavam um fumo forte e depois fodiam como coelhos. Sentia falta da Doris, eles treparam poucas vezes depois do casório, era bem mais complicado armar desculpas para sair, e ainda tinha que rastrear horários em que o velho não estivesse em casa. Mas até que não poderia reclamar, a vida de casado estava boa mesmo, tranqüila e gostosa.

No dia do parto, a criança nasceu morta. Era difícil distinguir o sexo, ela tinha uma série de malformações, e além disso, sua pele possuía uma estranha cor, entre o cinza e o verde. O cheiro não era muito bom. Gisele chorou muito, Arquibaldo a abraçou, jurou que estaria com ela para o que der e vier, e levou um fuminho escondido para o hospital, para eles aliviarem a tensão. O General Horus chegou com várias flores, bem quando eles estavam terminando de matar a ponta. Ele derrubou Arquibaldo com um golpe de judô, arriou as calças do rapaz e enfiou o beque aceso bem no meio do cu do moço.

- AAAAAAAAAAAHHHH nããããão!!! UUUUUUUHHH!!! Como dói, como dói!!!!

Ele gritou alto, mas a ajuda demorou bastante a vir. Mesmo assim, a pontinha foi removida algumas horas depois, sem maiores complicações além de algumas semanas sentando de lado e bem devagar. Os colegas de trabalho, naturalmente, chegaram às suas próprias conclusões, e Arquibaldo teve que agüentar alguma chacota pelos anos seguintes.

FIM DO ARCO 1