domingo, 7 de maio de 2006

PROCURA-SE CONSCIÊNCIA CRÍTICA


Perdida não sei onde, nunca fez falta alguma. Não sei por que, sua ausência incomoda, como se fosse um tipo de comichão desagradável na mente, daqueles que atrapalham o sono e reduzem de pouco em pouco todas as nossas alegrias. Fiz um monte de exames e não achei a dita cuja em lugar nenhum dentro de mim, então recorro a esse anúncio.

Talvez tenha sido deixada embaixo de algum balcão empoeirado, ou se extraviado juntamente com documento repleto de carimbos, em uma vida na qual acostumei-me a dizer “não”, primeiro por ordem de gente com terno, gravata e sapato, depois por simples hábito. Se algum prejudicado achou-a, e levou-a para casa magoado mas sem emitir palavra, peço conter o rancor e por favor entrar em contato para devolver.

Possivelmente tenha sido, espero que por engano, entregue juntamente com alguma prova de vestibular ou concurso, ocasiões em que adestrei-me a concordar com tudo o que me exigissem, e a ignorar todas as nuances que podem existir entre o “falso” e o “verdadeiro”. Onde opiniões não podem ter mais que sessenta linhas e cinco parágrafos.

Não duvido nada que tenha sido em algum shopping center, onde aquelas tantas luzes coloridas convencem a gente a querer muito participar de uma realidade sem dia e sem noite, sempre muito limpa. Um ambiente no qual as plantas só crescem onde se determina, e cães ou gatos não são permitidos.

Posso ainda ter deixado na academia. São tantas barras de ferro e cabos de aço, se eu tiver descuidado, algum deles bem pode tê-la esmagado ou estrangulado, nesse caso seria o fim. Se deixei no chão da sala de ginástica há esperança: algum arremedo de hulk estereotipado pode, quem sabe, tê-la levado para casa como algum tipo de tesouro incompreensível, mas fascinado por seu brilho, como fizeram com o césio em Goiânia. Mas nutro a esperança de que, se foi lá que perdi, tenha apenas a esquecido no fundo escondido de um armário numerado e cinzento.

A única certeza é que está em algum lugar escuro. Se for no carro, espero ter deixado embaixo do banco ou no porta-luvas, porque se tiver sido no tanque de combustível, com certeza já queimou junto com a gasolina, virou gás e foi transformada em nada pelo catalisador.

Caso eu a descubra de novo, nem sei o que vou fazer com ela, talvez coloque na estante para enfeitar e deslumbrar as visitas. Posso pendurá-la no pescoço também, assim quando for encher a cara num bar ou nadar no clube, todos poderão vê-la. Se bem que nenhuma das idéias é boa, do jeito que está cheio de furto e assalto, eu ia ficar sem ela de novo rapidinho. Não que ela valha alguma coisa por aí, mas sabe como é, hoje em dia não se pode dar mole com nada. Então, onde enfio isso para fazer chegar ao lugar de onde nunca deveria ter saído?

O quê?! Ah, muito engraçado, mesmo. Pode rir, babaca. Se bem que talvez seja por aí mesmo: como já dizia o filósofo Allan Sieber, “às vezes os caminhos tortuosos do coração passam pelo cu”. Ninguém gosta de supositório, mas quem não se cuida às vezes tem mesmo que encarar algum tipo de remédio desagradável.