domingo, 27 de janeiro de 2008

COMMERCIO - Parte 1

Faz uns anos que publiquei esse conto no Abobra. Acho legal republicar aqui, gosto dele.

Era um dia quente em Assunción, Paraguay. Contudo, em uma mansão luxuosa, o condicionamento artificial fazia aquele ar ameno e agradável de se sentir na pele, e permitia que os dois homens conversassem adequadamente dentro de seus ternos, enquanto degustavam vinhos da melhor safra francesa de 1975.

- Maldito filho da puta! - gritou o mais velho dos dois, arremessando seu telefone celular em direção à parede.

- O que houve, chefe?! - perguntou o mais novo, já acariciando a sua Desert Eagle calibre 50, cujo coldre estava discretamente coberto pelo paletó negro.

O que outrora fora um Motorola V60 destruiu-se em diversos pedacinhos. Prontamente o mordomo avisou à governanta, que avisou de forma também célere a cozinheira, que por sua vez comunicou o fato à equipe de faxina. Em menos de cinco minutos não havia vestígios da existência anterior do aparelho naquela sala.

- Aquele juiz de merda, viado e filho da puta! Você acredita que ele acabou de mandar seu irmão tomar no meio do cu? Ele mandou MEU empregado enfiar MINHA maleta com trezentos mil dólares em dinheiro vivo, MEU dinheiro, por sinal, no meio do cu? Aquela maleta tinha mais dinheiro do que ele vai ganhar em toda a vida de merda dele, e ele manda enfiar no cu?! Você entende o significado disso?! Ao mandar seu irmão, que é meu empregado, enfiar a maleta no cu, ele indiretamente mandou que EU enfiasse o MEU dinheiro no MEU CU! Que filho da puta!

- Calma, chefe...

- Calma o cacete! Eu vim para esse país há trinta anos! Sou um empresário importante aqui! Sempre contribuí para a geração de emprego nessa sociedade! Sempre dividi minha riqueza!

- Isso com certeza...todo o governo ama o senhor!

- Com meu cu ninguém mexe, caralho! Todo mundo já recebeu minha ajuda! Todo mundo!

- Senhor?

Era o mordomo. Em uma bandeja de prata, um aparelho celular Kyocera Soho.

- Desculpe a interrupção, senhor. Seu telefone. Providenciamos para que o número continuasse o mesmo.

- Vinte e três minutos, Gervásio. Um de seus melhores desempenhos... só você mesmo para melhorar meu humor...

- É um prazer servi-lo, senhor. Mais vinho?

- Não, nada de vinho... quero um copo de uísque. Blue Label, por favor.

- Sem gelo, como sempre?

- Claro. Como eu odeio as pessoas que destroem um bom uísque jogando gelo no copo! Esse tipo de gente merece morrer! Me acompanha, Romualdo?

- Sem dúvida! Gervásio, por favor. Falando em gente que merece morrer, quer que eu resolva esse problema com o tal juizinho metido, definitivamente?

- Meu deus, não, Romualdo! Eu não cheguei onde cheguei matando gente! Eu venho de uma família humilde, sabia? Meu pai sempre disse que era errado matar!

- Hã? Desculpa, chefe...você não me disse que seu pai era matador?

- E justamente por isso não queria que eu levasse a mesma vida! Depois que parou de matar gente, a gente estabeleceu um sitiozinho lá no Mato Grosso, e foi nessa época.que eu aprendi a navegar chalana no rio! Meu pai morreu violentado por um touro, mas eu nunca esqueci o que ele me falava: "fio, quem vive de bala morre na pica!"...mal sabia ele quão verdadeiras eram suas palavras...e é por isso que eu fico puto! Eu vim para esse país sem nada, sabia?! Atravessei A PÉ a porra da Ponte da Amizade! Passei dez anos vendendo trenas na feira até juntar a grana e comprar meu primeiro barquinho! Agora, eu sou um cara honesto! Sempre fui! Fiquei rico com o comércio alternativo, tenho uma frota de barcos só para levar produtos pelo rio para o Brasil! Todo mundo que trabalha para mim eu pago o dentista! E nunca precisei matar nenhum filho da puta para isso!

- Hã...chefe, lembra semana passada?

- O que tem?

- A gente tava na lancha, metralhamos uns doze federais brasileiros...

- Aquilo foi legítima defesa, porra.

- Não lembro deles terem atirado, boss...

- Claro que não! A gente vai esperar? Antes eles que a gente...ninguém mandou me ameaçar.

- Eles nos ameaçaram?

- Claro! Não foi?!

- Desculpa, chefe, acho que tenho que ir no médico, devo estar com falta de fósforo no sangue...minha lembrança é dos canas terem fugido na hora quando viram vinte caras com metralhadoras na nossa lancha. Podia jurar que foi a gente que perseguiu eles...e atirou nas costas deles.

- Você está desviando o assunto, Romualdo. Nosso problema é o merda do juiz. Como eu odeio juiz paraguaio...

- Bem, acho isso injusto. A maioria deles adora o senhor...

- NÃO TE PAGO PARA ACHAR JUSTO OU INJUSTO O CARALHO QUE SEJA SEU FILHO DA PUTA! Não me bastava o tal juiz, agora vem você! Seu merda! Daqui a pouco você vai estar me chamando de contrabandista, que nem o babaca lá! Só porque eu trago coisa daqui pra lá e de lá pra cá, sem ficar com frescura, o viado diz que eu sou bandido! É um filho da puta mesmo...

- Foi mal, chefe.

- Que se foda. Eu não vou matar esse babaca. Matar é errado! Até as formigas tem direito à vida, à felicidade e à realização pessoal!

- Menos, né, chefe?

- É verdade. Mas se foda, quando eu terminar com esse juiz, ele vai preferir que eu tivesse usado bala. Tive uma idéia, Romualdo, vou precisar da sua ajuda.

- Fala, Marlon Brando...

- Respeito, seu bosta. Eis meu plano...

CONTINUA...