sexta-feira, 29 de dezembro de 2006

UM CONTO DE ANO NOVO

- Em cinco vezes sem juros?

- É. Rola de dividir no cheque.

- Não tem desconto à vista?

- À vista, à vista mesmo, posso te dar uns oito por cento.

- Então a divisão não é sem juros. Se fosse, você dividiria o valor menos os oito por cento.

- Cara, não vou discutir isso, vai levar a parada ou não vai?

- Levo se você me dividir o valor menor em cinco vezes.

- Em cinco não dá, duas no máximo. E na verdade tô quebrando teu galho, esse valor era só à vista total, nem visa electron rola.

- Três vezes então. E vou me apertar legal...

- Puta merda, vá lá então. No cheque?

- No cartão de crédito.

- No cartão não dá pra dividir nesse preço não.

- Porra vai aí.

- É quatro meio por cento de comissão que eles levam, meu amigo, e mais juros no financiamento. Aí você me quebra.

- Mas se você parar pra pensar é muito mais seguro.

- Eu verifico os cheques. E acho que você não vai me picaretear, se fizer isso eu te caço nem que seja no inferno.

- Hm. Entendo. Mas então vamos fazer assim, em vez do desconto de oito por cento, você me dá cinco por cento. Aí cobre boa parte da comissão do VISA, e eu divido em três vezes.

- Vá lá, vá lá. Quer que embrulhe pra presente?

- Como certeza, minha mulher vai adorar.

*****

- Esse presente não tá meio atrasado, meu amor? O Natal foi na semana passada...

- Tá não, de Natal era aquele jogo de panelas mesmo... agora, com isso aí vamos ter um Reveillón pra lá de especial...

- Hm, agora você me deixou curiosa... quando você mandou as crianças pra casa da sua mãe, achei que tinha comprado convites para algum baile...mas então fez esse jantar romântico, comprou champanhe francês, trouxe um embrulho misterioso... se queria me deixar curiosa e excitada, conseguiu!

- Queria mesmo. Feliz 2007, meu amor. Agora abra!

- Hm, então tá... aroma de pétalas de rosas, que chique...mas...MAS QUE PORRA É ESSA!?

- Um acessório para turbinar nossas noites, meu amor!

- Mas o que diabos um pinto gigante de trinta centímetros movido a três pilhas grandes tem a ver com nossas noites, cara? Você pirou?! Eu não vou usar isso, vai me arrebentar toda! Algum dia já reclamei do tamanho do seu pau, por acaso?!

- Bem, achei que ia te animar, mas na real, não foi só pra você que comprei isso.

- O quê? Você quer enfiar isso no seu próprio rabo? Virou viado por acaso?

- Viado é o cara que transa com homens, eu nunca fiz isso. Eu sou fiel a você meu amorzinho...

- Ah, então agora enfiar um vibrador GG no rabo é coisa de macho?!

- Meu amor, você tem que ter a mente aberta a novas experiências...

- Experiência de cu é rola! Esse negócio de trabalhar em uma agência de publicidade tá te virando a cabeça, quando você só fazia a contabilidade dos comerciantes aqui da rua não tinha dessas idéias!

- Peraí, isso não tem nada a ver! Foi você que propôs me fazer um fio-terra ano passado! Diz que leu na Nova que poderia ser estimulante, e aí, é mesmo! Eu gostei! Mas meu negócio é você, não tem nada a ver me chamar de bicha!

- Maldito seja aquele dia! Era pra ser só uma brincadeira, mas desde então você não consegue nem ficar de pau duro sem enfiar alguma coisa no rabo! Mas olha, sinceramente, achei que você estava satisfeito com a colher de madeira da cozinha! Até passei a deixar ela no criado-mudo, achei que resolveria seu problema!

- Eu sinto um vazio interior muito grande, gata, ele tem que ser preenchido. Mas eu te amo, não sou homossexual e nunca transei com outra pessoa além de você!

- Por enquanto, né? Nesse ritmo, daqui a pouco você vai buscar o seu Jairo lá na obra, botar ele pelado no nosso quarto dizendo que é pra apimentar a relação!

- Porra peraí!

- Peraí o caralho, aí ele vai começar a te comer na minha frente, e você vai perguntar "vai dizer que isso não te excita, amor?!"

- Me respeita vagabunda!

- Respeito o caralho! Você é um escroto, estragou meu Reveillón! Por que não enfia no rabo da sua mãe essa merda que você comprou? E o pior é que aposto que foi caro!

- Porra não mete minha mãe nessa!

- Claro que meto! Aquela velha hippie maconheira, aposto que foi ela que meteu essas idéias idiotas na sua cabeça, "qualquer maneira de amor vale a pena" e tal. Pura merda!

- Minha mãe me ensinou que o que importa é o amor e a compreensão, sua vaca! E você não liga para nada disso! Porca capitalista!

- Você compra um dildo gigante importado, que deve ter custado uma fortuna, e eu sou a capitalista!

- Que merda de discussão! Puta que o pariu! O que eu fiz pra merecer isso?!

- Meu amor, também não quero discutir, mas isso aí eu não engulo.

- Você engole até minha porra!

- É verdade, mas isso aí não. Pelos nossos quinze anos de casamento, já engoli porra, me vesti de Scooby-Doo, levei pica no cu, tudo o que você me pediu. Mas não vou admitir um vibrador na nossa relação. A colher de pau vá lá, mas isso não.

- Puxa...se é assim, então tá bom. Vou devolver isso amanhã.

- Isso se o cara aceitar. Você comprou dividido?

- Claro que não! Mas se ele não quiser devolver a grana, troco por outra coisa, que não seja de enfiar no cu.

- Eu te amo, gatão.

- Eu também te amo, gatinha! Vamos pra cama?!

E, enquanto Astrogildo fazia amor com sua esposa, com a haste de uma colher de pau inserida em seu ânus, não conseguia parar de pensar no mestre-de-obras da reforma de seu prédio, o Senhor Jairo, um homem rude e muito forte.