HISTÓRIAS DARKS COM HOMENS - o nerd que gostava de RPG
Texto enviado por Cida, my love
Uns tempo atrás, quando ainda fazia graduação na UnB, conheci um garoto que não me interessou muito no início. Na verdade, o pai dele é que era meu colega de sala – e eu o achava bem mais interessante, mas o cara era casado e eu não gosto de sofrer. Nessa época, o Cláudio (nome fictício), fazia Direito lá, durante o dia. Como as aulas dele acabavam mais cedo, ele sempre ia pra minha turma à noite, para pegar carona com o pai depois.
O cara era uma gracinha, gaúcho, com aquele sotaque diferente, um jeito educado e gentil de falar. Havia umas meninas na sala que ficavam bem ouriçadas. Mas fato é que – não sei por que cargas d’água – o menino se aproximou de mim. Como eu era amiga da turma toda, achei natural. Ele fazia questão de chegar mais cedo e de guardar um lugar pra mim, ao lado dele. Acabei ficando amiga do pai e do filho. Eles eram muito inteligentes e simpáticos. Adoro gente assim. A gente conversava bastante, eles liam muito e o assunto rendia.
Numa noite, estávamos saindo da aula mais cedo, havia uma lua cheia linda e eu gostava de ir ver a lua da Orla do Lago, antes de o Roriz destruir tudo por lá. Pra quem não conhece Brasília, esse é um lugar rente ao lago, com um píer, atrás da Concha Acústica, que é um teatro ao ar livre. Era um lugar legal, na época, com muitos barzinhos – tinha um restaurante com comida grega, muito bom –, mas hoje em dia está tudo destruído. De tanto reclamarem, o Roriz acabou dando uma restaurada na Concha Acústica, mas o resto está um terror.
Mas voltemos à lua. Havia uma lua cheia linda, a professora das nove não foi – a aula seria até as 10:30. Estávamos fora da sala conversando e eu disse que ia ver a lua na Orla. Perguntei se alguém queria ir. Eles disseram que não podiam, cada um tinha uma coisa pra fazer. Então fui andando sozinha pro carro. De repente, o pai do Cláudio deu um empurrão nele pro meu lado e disse: “Vai com ela, Cláudio. Você vai deixar a guria ir sozinha?”. Ele ficou pasmo, parado, olhando pra mim. Eu, idem. Até que ele disse: “Mas como é que eu volto pra casa depois?” E o pai: “Ela te leva, ela tem carro, ora!”. Olhamos um pro outro e, pra desfazer aquele clima estranho, eu disse: “Bora, lá!? É bonito. Você conhece?”. Fomos.
Chegando à orla, parecia que o lugar estava mágico. A noite estava belíssima, havia um cara tocando violão meio de longe, de modo que o som chegava baixo. A lua refletia sua luz no lago. Nas margens, do outro lado, as luzes da cidade brilhavam na água. Aqui e ali, alguns casais namorando. Que clima! Descemos a escada que dava no píer e havia um barco parado lá. Vi que as pessoas dentro dele estavam bebendo e conversando, se divertindo. Então perguntei se era um bar. O cara disse que sim e perguntou se não queríamos entrar. Disse que poderíamos ficar à vontade na cabine ou em cima do barco (numa espécie de terraço de barco, fechado dos lados). Olhamos um para o outro, vermelhos e sem graça. O cara pensou que fôssemos namorados.
Entramos. Eu disse que só queríamos sentar um pouco e tomar uma cerveja. O cara arrumou uma mesa pra gente. Eu tomei cerveja e ele guaraná. Começamos uma conversa meio maluca, tudo estava maluco naquele dia. Quando vi, o garoto estava segurando a minha mão e me olhando com uma cara de... bom, nos beijamos, ali mesmo, como se não houvesse mais nada nem ninguém. Ficamos um pouco e fomos para a Concha Acústica – na época, ainda dava pra entrar lá por trás, hoje está cercado. Mostrei a ele que, se um ficasse numa ponta da concha e o outro na outra, poderíamos conversar falando bem baixinho e mesmo assim um ouviria o que outro dissesse. Ficamos lá um tempo. Tudo muito romântico. Nesse dia eu até recitei uns poemas – meio darks – do Fernando Pessoa. Que coisa!
Bom, esse foi o início do namoro. Cláudio e eu nos tornamos quase inseparáveis! Mas, também, com esse início. Eu morava na casa de um tio em Taguatinga. Logo depois me mudei pra uma Kit numa entrequadra – pra quem não conhece, aqui em Brasília essa é uma área localizada entre duas superquadras, destinada a estabelecimentos comerciais, escolas e templos – na Asa Norte. Era mais ou menos perto da casa dele e a coisa ficou melhor ainda. Podíamos nos ver mais, ele podia ir lá pra casa, podíamos sair sem nos preocupar com a hora de voltar e eu não precisava mais dar satisfação pro meu tio.
O caso é que tudo ia muito bem, mas não é que o garoto a-do-ra-va jogar RPG!? Pois é. Ele disse que antes de ele e os amigos entrarem na Universidade, eles jogavam durante a semana, pelo menos duas ou três vezes. Depois passou a ser só no sábado, pois ninguém tinha mais tempo durante a semana. Alguns, inclusive, trabalhavam. Todos com mais de 22 anos.
Houve um tempo em que eles iam pra uma espécie de pracinha junto a um bloco comercial e ficavam até de madrugada jogando. Também jogavam na casa de um ou de outro, para desespero das mães: aquele bando de nerds na cozinha, comendo tudo o que encontravam pela frente e deixando a louça suja. Tudo bem pra mim, não era eu que limpava mesmo.
Ele jogava RPG todos os sábados à noite. Eu queria sair, ir a festinhas, que ele fosse lá pra casa, assistir a um filme, tomar um vinho, namorar e ele queria jogar RPG com os amigos. Afinal, eles não podiam perder o contato e o jogo era o que os fazia ficarem juntos. Ele estava em um dilema terrível: namorar ou jogar RPG? Fiquei imaginando como seria se a gente se casasse: ele, eu e as crianças, todos jogando RPG. Ele, o mestre, orquestrando tudo.
Eu até entendia que ele queria ficar com os amigos, mas eu queria namorar. Até fui algumas vezes assistir ao jogo. Ver qual era. Ele queria começar um novo e criar um personagem pra mim. Até me deu algumas características que eu poderia escolher. Assim eu também faria parte do grupo. A única mulher. Será que, desse modo, eu estaria com ele até hoje, hem? Muitas vezes eu ia pra lá com uma amiga, ficava um pouco, depois saía sozinha com ela. Ele queria que eu ficasse lá, esperasse o jogo acabar, pra depois a gente comentar tuuuuuuuuudo o que eles tinham feito. De vez em quando ele ia lá pra casa no sábado, mas queria estar nos dois lugares ao mesmo tempo. Ficava chateado de não ter jogado. Que dilema! Ele era o mestre. Como ele poderia deixar os outros nerds na mão? Acho que todos acabavam ficando era na mão mesmo. Quem iria querer namorar uns caras assim? Só acontece comigo? Acho que não. E vocês?
Vocês querem saber por quanto tempo eu agüentei isso, né? Foram de cinco a seis meses de namoro. A gente começou a brigar, porque ele não queria que eu saísse sozinha e eu queria que ele fosse lá pra casa. Nós só tínhamos o fim de semana pra isso. Estudávamos muito na época: ele durante o dia e eu à noite. Não dava mesmo. Acabamos terminando por causa do jogo de RPG. É mole?
Vocês acham que dá pra namorar e até se casar com um cara assim? Será que é melhor do que o cara ir jogar futebol todo sábado à tarde e emendar com o barzinho? O que vocês acham disso? Vocês já namoraram nerds?
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