sexta-feira, 12 de novembro de 2004

Os admiráveis tipos humanos



Arranjei um bico na universidade e estou trabalhando para uma mestranda da área de Engenharia de Trânsito. O meu trabalho é sair na rua e fazer fazer pesquisa de campo, perguntando para as pessoas que passam um questionário sobre trânsito. É incrível, mas nessas 3 semanas de trabalho eu encontrei uma variada quantidade de tipos humanos, desde pessoas que acham o questionário "difícil" até pessoas que me pegam para ficar batendo papo sobre fissão nuclear (!). Selecionei aqui alguns diálogos que tive com os tipos mais interessantes:

O retardado

- Bom dia. Me chamo Reinaldo e estou fazendo uma pesquisa sobre trânsito. Gostaria de responder?
- Hein?! Pesquisa?
- Sim, pesquisa. Quer responder? É mais rápido você pegar a minha prancheta e responder direto.
- Hmmmmm.....[fica me encarando]
- Errrr....vai responder?
- Pesquisa? Tá. Eu faço o quê?
- Apenas tem que responder.
- Responder, é? Ta [pega a prancheta da minha mão]. E agora?
- Agora você marca um "X" nas perguntas aí.
- "X" é? É pra responder?
- [cara de puto] SIM! É PRA RESPONDER! Você não falou que queria responder?
- Hmmmmm...tá. E como faz isso?
- [pego a prancheta da mão dele] TA VENDO ESSA PERGUNTA AQUI?! Pois bem, você [aponto para o sujeito] vai marcar a quantidade disso aqui que você vê nessa via. É so marcar um "X" aqui do lado...
- Ah tá. Mas num quero mexer mais com isso não...
- [furioso] Tudo bem, obrigado.

O analfabeto

- Bom dia. Me chamo Reinaldo e estou fazendo uma pesquisa sobre trânsito. Gostaria de responder?
- Pesquisa de quê, moço?
- Pesquisa sobre trânsito. Pode responder?
- Trânsito,é? Ah ta, firmeza.
- É mais rápido você pegar a minha prancheta e responder direto.
- Então me passa aê [pega a prancheta da minha mão].
- Olha, é so marcar um "X" aqui nas opções aqui do lado, sobre as informações dessa via...
- Tá...[cara fica coçando a cabeça e demora 10 minutos para responder cada item]
- Alguma dúvida aí?
- Não moço...[coçando a cabeça].
- [observo a prancheta] Veja bem, acho que você está respondendo errado. Você marcou aqui que vê muitos buracos nessa via e que aumenta a velocidade por causa disso. Não faz sentido, né? Como você pode acelerar vendo tanto buraco na pista?
- Ué moço, mas a picape quica nos buraco, né?
- É, bem...mas você deveria reduzir ao ver o buraco, não?
- Ah tá...é [coça a cabeça e solta um sorriso amarelo]. Ai moço, esse trem ta muito difícil!
- Vai respondendo cara, sem pressa...

(volto 15 minutos depois)

- Bem, acabou de reponder?
- Já. Eita trem compricado!
- Beleza, obrigado. Mas ei...peraí! Você escreveu aqui que anda 3000 km por semana. Tem certeza disso??
- É muito, é?
- Claro. Sua casa fica no Nordeste??
- Heheh [riso amarelo], deixa eu consertar esse trem então...eita canseira esse troço!

O tosco

- Bom dia. Me chamo Reinaldo e estou fazendo uma pesquisa sobre trânsito. Gostaria de responder?
- Quié porra?
- Hã, estou fazendo uma pesquisa sobre trânsito. Quer responder? Fica mais rápido se você pegar a minha prancheta e responder direto.
- Tô com saco de ler, não. Lê aí que eu respondo.
- Tudo bem. Eu vou perguntar sobre essa via... [começo a fazer as perguntas]
- Porra, mas que pergunta xarope! Como vou saber se tem subida no relevo dessa pista? Fala sério, sem cabimento porra!
- Bem, continuando...[continuo com as perguntas]
- Ah, essa tua pergunta tinha que ser de outro jeito. Ah, que pesquisa furada pô! Isso aí vai servir pra quê?!
- Isso é uma pesquisa para um trabalho de mestrado. Se você não quiser responder, fique a vontade.
- Então tá. Mas bora acabar isso logo, ta muito sem nexo essa parada! Vai marcando "não afeta" em tudo aê...

O idoso

- Bom dia. Me chamo Reinaldo e estou fazendo uma pesquisa sobre trânsito. Gostaria de responder?
- Ah sim meu filho, pois não. Vai demorar?
- Nada, uns 5 minutinhos.
- Então tá. É que estou esperando o meu netinho no judô, e você sabe né, essas crianças de hoje...[bla bla bla de 10 minutos]
- Ok, ok. Mas vamos responder o questionário? Fica mais rápido se o senhor ler e responder direto na minha prancheta.
- Ta, ta...[demora 10 minutos para responder cada item]. Nossa filho, desculpa a demora, ta? Eu gosto de ser bem criterioso na minha resposta. Veja bem, esse item aqui que fala da quantidade de placas me lembrou a minha ultima viagem que fiz para São Paulo onde...[ bla bla bla de 10 minutos].
- Ah sim, claro. Mas o senhor vai demorar muito para responder?
- Ai, desculpa filho. Eu falo demais. Eu sei que a vida ta dificil e que vocês jovens precisam batalhar e...[bla bla bla de mais 10 minutos].
- Hã...senhor, vamos fazer o seguinte: eu pego a prancheta e faço as perguntas, ok? Aí a gente acaba mais rápido. Vamos lá...[começo com as perguntas e o senhor demora 20 minutos pra respondê-las]. Bem senhor, agora pra acabar so falta o verso. É rapidinho, tá?
- Tudo bem...[vira as costas e sai andando]
- Senhor, o falta o verso da pesquisa. Senhor, SENHOR!!! ESPERA AÍ...

O intelectual

- Bom dia. Me chamo Reinaldo e estou fazendo uma pesquisa sobre trânsito. Gostaria de responder?
- Sim, claro.
- Olha, fica mais rápido você pegar a minha prancheta e responder direto. Pode ser?
- Tudo bem [pega a minha prancheta]. Hmmmm...vejo que a sua pergunta tem um referencial interessante. A pergunta quer saber se as irregularidades do pavimento influenciam a minha velocidade. Veja bem, vários fatores afetam essa resposta. A aceleração do meu veículo é algo constante, mas pode ser interrompida com as irregularidades. Motoristas imprudentes podem também afetar a condução do meu veículo, pois eles podem desviar das irregularidades do pavimento e bloquearem a minha passagem.
- Sim cara, mas esqueça todas essa varáveis, beleza? Apenas responda pensando APENAS nas irregularidades do pavimento.
- Ok...hmmmm...agora essa pergunta me deixa em dúvidas. Você pergunta se as edificações na pista prejudicam a minha velocidade. Veja bem, é tudo relativo. A velocidade que o prédio passa por mim é a mesma que eu passo por ele e...
- Por acaso você é físico?
- Não. Sou engenheiro militar. Sou formado no IME (Instituto Militar de Engenharia).
- Ah, legal...
- Sabia que eu trabalhei no desenvolvimento de vários tanques e armamentos? Também desmontei várias armas russas para entender o mecanismo delas.
- Puxa, legal! Mas vamos ao questionário...
- O Brasil poderia dominar o setor de venda e produção de armamentos de ponta. Nossos engenheiros militares são muito bons, sabia? Mas sabe o que mais atrapalha o nosso país? Sabe? São os países de primeiro mundo, que sempre arranjam alguma maneira de nos deixar eternamente como países de 3º mundo. Sabe aquele rolo dos EUA implicar com a nossa fabricação de pastilhas de urânio? Pois é, tudo isso...[bla bla bla ufanista de 15 minutos].
- Sim, ja sei desse papo. Mas vamos acabar esse questionário. Eu tenho que...
- Eu estudei fissão nuclear no IME, eu sei do que estou falando. Olha só, até no campo de combustíveis alternativos o Brasil tem tecnologia de ponta! Produzimos carros a álcool e temos uma produção recorde desse combustível. Se tivessemos iniciado a produzir carros a álcool na década de 60 estaríamos exportando essa tecnologia para o mundo inteiro. Seríamos mestres absolutos nessa tecnologia.
- Sim, sim, muito interessante. Mas o questioná...
- Na minha turma do IME estávamos pensando em construir um trator a álcool. Ja pensou na economia disso? E olha, nem estou falando no lado ambiental bla bla bla bla.
- Bem, mas eu tenho que acabar isso logo, sabe e...
- E outra: meu pai lutou na Segunda Guerra e eu lembro que...

Bem, não deu jeito. Esse cara aí de cima demorou 50 minutos para responder o meu questionário no meio desse papo todo. Ele seria uma pessoa legal de levar para um buteco e ficar batendo papo horas a fio. Vai ver o cara solta que o IME ja produziu uma bomba nuclear em segredo.

Reinaldo, o Bruto